segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Notícias do PREC (processo de regressão em curso)

Um coro de pessoas sensatas diz o mesmo: a classe média está ameaçada, os impostos que sobem torná-la-ão menos média ou nem sequer média, ex média. Na realidade esta designação pertence àquele universo de vocabulário corrente que ganha o estatuto de intocado e tem virtudes de expressão tabu – dizer que a classe média está em perigo faz acender a mecânica da defesa da sua intocabilidade pois é o sinal de que este presente eterno em que nos instalámos está em perigo, que aparentemente ninguém o quer perder, nem sequer os “revolucionários” instalados também na classe média. Diz-se classe média como quem fala de uma sagrada chave da estabilidade, a tal do fim da história, classe essencial de uma organização social que se inventou no estatuto nela plasmado como exemplo, visto como um modo de vida idêntico para uma extensão significativa da sociedade, estruturadora do próprio modelo social.
Desde que as formas de um futuro diferente – não só o presente melhorado mas diferente, tendente à realização histórica efectiva da liberdade, da igualdade e da fraternidade - se enterraram com o fim das lamentáveis realidades socialistas, que o identificar destas com a utopia possibilitou de facto, o voo do debate acerca da construção de outra sociedade vem-se restringindo a núcleos de pensadores com território demarcado, brilhantes mas por assim dizer muitos deles remetidos para um estrelato de pequena escala que lhes retira pela fama o que o arrojo do pensamento possa realmente ter de novo – também eles são vítimas da conversão em show do que constroem com “potência sísmica” e o pensamento perde o veneno positivo, fica descafeinado, é consumível, daí a importância do subterrâneo “toupeirismo”, da construção dos labirintos e do invisível articulado, como defendia o Senhor Onde, personagem de Vinaver e um outro de Michel Foucault, nas suas lições do Colégio de França no interior da peça Borda Fora, extraordinário texto.
Na verdade um pensamento que possa introduzir nos cidadãos um desejo generalizado de mudança para diferente e melhor, tem de sempre fazer as provas das suas virtudes passando pelos filtros da verdade estabelecida no sistema estruturador do próprio imobilismo do presente – agora amplamente regressivo - sempre alternativo a qualquer perigosa mudança.
Este clamor pelas classes médias é muito revelador. Corresponde à percepção de que este não é um governo moderado, de que nenhum valor social-democrata os comove. A governação não passa de uma engenharia financeira aplicada ao conjunto do sistema, da saúde à segurança social, da educação à segurança – aqui com mais folga – do consumo ao Estado, que emagrece por um lado e engorda por outro num passe de prestidigitação mediática.
Média quer dizer média, isto é entre alta e baixa. Média e medíocre não andam longe, pois à média não corresponderá a tal excelência, que só pode coincidir com a noção de alto, de topo, embora na boca dos defensores da classe média a excelência esteja sempre na ponta da língua – em qualquer visão elitista a excelência será para uns poucos e a ideia de um elitismo generalizado a todos não é imaginável. Portanto estamos perante uma ideia que é a de manter o médio como paradigma. Paradigma obviamente virtual, este da classe média, porque as categorizações genéricas não dão conta mais do que daquilo que é estatístico e a estatística não fala das singularidades substantivas mas, por assim dizer, das exterioridades quantificáveis.
Estranho que ninguém fale das classes baixas e que se fale agora dos ricos como contribuintes, para uns dizerem cristãmente que devem pagar mais e outros que isso ataca o investimento, outra vaca sagrada pela qual nada fazem pois nada mais fazem que gerir a dívida em sede orçamental, esse amanhã que não canta. Quando a preocupação se centra na tal classe média sabemos que a questão tem uma identificação com poder aquisitivo, pacotes de compras e modos de vidas estandartizados, com uma padronização total dos comportamentos sociais e sabemos que isso foi sabiamente designado como sociedade hiper-massiva de controle. É onde estamos. É extraordinário fixar como meta de uma sociedade a estabilidade da tal classe média quando se põem de rastos todos os sectores das classes laboriosas, se proletarizam por exemplo os professores e se exportam jovens licenciados. Para não falar do número de desempregados galopante. Serão desempregados da classe média? Ou não entram nas contas a não ser como uma variável numérica?

fernando mora ramos

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