quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Do javali quando sentado

O Javali está sentado e se não se levanta é porque põe aquela questão decisiva do valerá a pena – valerá? E não lhe apetece responder à interrogação com a frase do Pessoa, muito bombástica mas demasiado feita à possibilidade da recorrência, publicitária. E o Javali não é recorrente, é porque é na realidade reincidente, é pelas repetições substantivas, sábias, como as da série, como as da insistência no mergulho das coisas da política e na crítica do chicoespertismo dos políticos – é uma das idiossincrasias nacionais, a que há que juntar de novo Fátima, Futebol e agora Fados, plural, o fado europeu por exemplo, e obviamente o fado não nostálgico, o que passou para o lado de lá da saudade, Nova Iorque por exemplo, qualquer cosia que se diga em inglês.
Como não fulanizar por vezes as coisas se a matéria é mesquinha, indaga o Javali? Há pinças para fazer a cirurgia do mesquinho ou isso implica meter um pouco as mãos na merda? Estas coisas pensa o Javali sentado. E meter as mãos na merda desvirtua ou faz crescer? Faz crescer, pensa o Javali e faz crescer mais que os flocos que também fazem crescer, os de aveia certamente, os do malte também, uma Guiness, ou mesmo uma canha alentejana, ou mesmo aquela aveia que faz o vinho e que é de castas tão infinitas quantas as mais que oitocentas referenciadas – é um mundo admiravelmente novo desde muito antes de Cristo. E se há afectos, obviamente pelos outros, o Javali é de um javardismo afectuso e sincrético, até um pouco entrópico – muito tropical também – é, sem dúvida, consistentemente amoroso. E muitas vezes é aí que perde a sabedoria e mete a pata na asneira – mas como viver sem ela, a bela asneira, a boa asneira, a asneira perfeita, caminho para o sublime que desce e sobe e ama por certo enquanto se perde. O desnorte também ataca os sábios. Não me refiro a uma sabedoria de erudição, mas a uma outra, a do balanço das porradas comidas, balanço prospectivo por certo, pois o outro sem perspectiva deixa em baixo, rebaixa, é de dar em molusco e molusco é coisa que não é. Se há coisa que o Javali não é também é de neuroses nem de regá-las. Mas é afeito a fumos e é na realidade num bom prato de tremoços que vê a sua bolota. No tremoço está a virtude, tal como na sombra do chaparro, esse ouro sem bolsa, estará a bolota, esse porvir no horizonte da mastigação. O Javali é omnívoro, disso não duvidem. E gosta de ópera mas frequenta pouco, é mais na banheira que gargareja os seus baixos contínuos, enquanto ensaboa – o mau cheiro é mesmo genético, pois é asseado, é filho da mãe. É um bicho que parece antipático mas é de uma simpatia estrema na longa duração. Como os patos traz a canalha atrás em fila indiana, mas ao contrário dos patos não voa. E se está sentado é porque está a pensar levantar-se. O espectáculo não está grande coisa, é necessário patear não só os videirinhos e as suas vidinhas, como os que confundem o que são com o que imaginam os outros ser por serem como são.
Relativamente aos poderes o Javali tem uma máxima: mais cedo ou mais tarde haveis de vos foder. Trata-se de uma fórmula de grande eficácia e clarividente, tem sentido pragmático e alcance temporal. Aprendeu-a um dos Javalis num café de Braga. Dizia o empregado de mesa para toda a sala depois de um longo pedido em alemão altamente declinado: “ides beber um vinho do Porto que vos fodeis!”.

fernando mora ramos

Sem comentários:

Enviar um comentário