domingo, 31 de julho de 2011

Janelas de oportunidade

Há janelas altas e das janelas altas cai-se de uma forma mais radical do que das janelas de rés-do-chão. Das janelas de um nono andar e a um qualquer estatelado que de uma delas saia, pouco sobrará mais do que um charco de sangue. Já de uma janela de rés-do-chão, mesmo de um primeiro andar, poderemos imaginar que o estatelado esteja inteiro e que apenas necessite de gesso numa perna, resolver escoriações específicas ou de gesso nas duas pernas. Há também janelas interiores e nem sempre abrem para paisagens subjectivas, essas são janelas íntimas e dão para a libido ou para ansiedades de vária ordem, devidamente regadas.
Por exemplo o caso das estufas: nelas há janelas mesmo janelas e há janelas que no fundo são apenas transparências e que portanto são como as janelas, dão para paisagens, mas não são janelas, são vidraças. Claro que nem todas as janelas dão para paisagens, nem sequer para jardins interiores, com ou sem delícias. Há as janelas das traseiras que muitas vezes dão para becos. São janelas muito úteis em caso de necessidade desde que se verifique o pressuposto da altura controlável ou mesmo da escada de serviço, ou ainda da escada dos bombeiros – este último tipo de escada abunda em filmes de acção.
Nas paisagens não há janelas, o que se vê das paisagens é que podem ser janelas. Podemos estar na paisagem, por exemplo a fazer um piquenique e avistar um significativo conjunto de janelas ao longe, esse é o caso da cidade que, ao longe, mostra janelas como quem tem olhos abertos de vazio – em Portugal os piqueniques nas paisagens estão ligados aos grelhados e isso faz com que as paisagens por vezes ardam e que isso se possa avistar das janelas e ser resolvido a partir de alguém que estando numa janela chame os bombeiros. Com os bronzeados, as paisagens ardentes, estão na lista das indústrias transaccionáveis com futuro garantido dado o grau de risco inovador e as possibilidades de lucro do especificamente ardente. Tudo o que é inovador vence e tudo o que é arcaico perde, daí o silicone e o botoque derrotando o que de natural não arde. Daí também, politicamente, a gravata liberalizada. A janela de oportunidade para o incêndio em crescimento é uma janela com muita saída e sazonal. Está por inventar o futuro: a floresta incombustível, existe portanto a janela de oportunidade, a possibilidade pirómana aliada à visão bombeira.
Voltando à vaca fria, isto é, à janela e ao seu conceito. À primeira vista a janela, mesmo a que dá para o beco, porque nem sempre as janelas traseiras dão para becos podendo dar também para outras traseiras que não becos e mesmo para janelas dianteiras, será uma janela útil – é indubitável que uma janela dá sempre para qualquer coisa, mesmo a janela fechada e que isso, esse aí está da janela, é o tudo da janela, a sua essência, o espaço limiar de um trânsito do olhar. No caso da relação traseira dianteira temos uma interacção conhecida como dinâmica do caranguejo.
Há entretanto janelas de que se podem ver filmes a partir de outras janelas ainda, essa é a situação da dupla janela, o filtro apetecível do voyeur. O avistador terá de fazer passar o seu foco e a energia nervosa empregue no avistamento através de duas estruturas rectangulares e só aí gozar a oportunidade do que avista. Um sutiã – este sutiã está de acordo com o ortográfico acordo - a voar, uma cueca a esvoaçar, mesmo um candeeiro de pé alto a dançar. Mas é também provável o caso da janela aberta para a persiana fechada e aqui depende da persiana o que se possa ver: ou a persiana fechada, integralmente fechada, ou a prometedora frincha. A frincha é um destino possível, pela frincha a oportunidade também colhe: a menos conhecida que a janela, frincha de oportunidade e obviamente levantando uma possibilidade mais próxima do conceito do camelo que passa pelo fundo da agulha – com as duas bossas.
Mas não esquecer que as janelas não são todas rectangulares e que para um suicida a janela tipo escotilha levanta dificuldades adicionais no caso da anca avantajada. É uma janela pouco indicada para o suicídio feminino. E há janelas de todos os tipos, as criativas. Há janelas triangulares e estas não são janelas de oportunidade, a não ser no caso da janela equilátero. Uma janela isósceles é complicada, assim como uma janela oval muito pronunciada, pronunciada ao ponto da quase cópula entre a linha superior e a linha inferior. Este caso, muito pouco comum também não é dado a oportunidades a não ser para as criaturas cobra. E há inúmeros casos de janelas arquitectadas de acordo com necessidades específicas, a janela com grades por exemplo. A oportunidade que este tipo de janelas cria é inteiramente virtual e portanto está de acordo com os tempos.
Ele há muitos tipos de janelas como se viu. As chamadas de oportunidade, são recentes e mostram como a metáfora pode voar baixo quando submete a paisagem à reles necessidade de sobreviver. A ficção não pode andar a reboque de um qualquer pragmatismo.
Eu prefiro as portas de oportunidade. Desde que a chave cante por cá.

fernando mora ramos

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Post intimista em defesa da caixa de comentários

O Javali Sentado tem uma caixa de comentários aberta. Penso que até aqui só tem 2 comentadores assíduos. O Táxi Pluvioso e um anónimo que assina Maria. Que não se calem! Gostamos muito dos que nos comentam. Quando nos citam a partir da nossa caixa de comentários rejubilamos. Que isso venha da pessoa mais fascinante da blogosfera deixa-nos ainda mais sensibilizados.
A propósito inauguramos hoje uma nova secção nas etiquetas: Blogues que me deixam ciumento.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sábado, 30 de Julho, no Santuário do Rock

A banda é a Rock House

Mad Dog entra numa jam session

Em Almada, ao pé da Cerca, pelas 22 horas

A Cultura, o sucesso da dívida e o escritor José Viegas

Não foi boa notícia passar a Secretaria de Estado mesmo que não seja uma tragédia. E até seria relevante que o Primeiro-Ministro fosse o Ministro do Secretário de Estado da Cultura, o que significaria, sendo o Primeiro-Ministro o Primeiro dos Ministros, que a Cultura passaria a uma primeira importância entre as hierarquizações a estabelecer nas opções de governação. Governar é optar. E em Portugal desvalorizar a Cultura será optar pelo mesmo, optar pela valorização do que a exclui. E excluir a Cultura de uma relevância da acção governativa é optar pela desqualificação, pelo retrocesso, pelo incumprimento da meta essencial do crescimento económico como verdadeiro caminho de nos libertarmos das imposições da dívida, um colete-de-forças que gerará, pelo menos nos próximos tempos, não só conflitualidade social com resultados económicos regressivos, mas também bloqueio e retrocesso das práticas e do perfil democráticos da nossa vida comum. A dívida gerará falta de democracia, não nos iludamos.
Optar pela irrelevância cultural significa optar pela incapacidade de estímulo à inovação. A cultura, todas as suas formas, patrimoniais e criativas, tradição e invenção, modernidade e criatividade, identidade plasmada em modos de agir, é essencial a uma visão do país e simultaneamente essencial a formas de substantivação das nossas actividades profissionais, do exercício competente e mentalmente aberto das profissões. O trabalho e a qualificação dos portugueses, a qualificação profissional e produtiva, é uma questão cultural, não é uma questão de violência imposta dos longos horários e da intensificação dos ritmos de trabalho, do estabelecimento de leis mais brutais de despedimento, de formas de organização laboral para as quais os trabalhadores são uma voz que não conta. Pelo contrário, todos sabemos aonde leva a baixa qualificação: não só leva a uma desqualificação das mercadorias em si, como leva a formas unilaterais de desenvolvimento que pedem trabalho menos qualificado, como são obviamente aquelas ligadas à política do betão e auto-estradas – um país não é um projecto de construção civil.
Não se fala de sectores mais avançados, de aplicação da tecnologia qualificada a sistemas de produção, de electrónica aplicada, de sofisticação técnico-profissional, sem falar de cultura. É como falar de desporto ignorando os sistemas de treino e organização da alta competição e da pintura sem conhecer Picasso nomeando a Guernica como uma tourada. Ler e ser capaz de ler não é uma distracção, é mais que isso um treino do mental e traduz-se em formas de desenvolvimento de capacidades de ficção que têm aplicações práticas nas actividades profissionais – imaginar não é inútil e não há inovação sem imaginação e a imaginação é cultural, mesmo que essa cultura não seja necessariamente a erudita, mas também, desde que não falemos apenas do Doutor da Commedia Dell’arte e respectivo latinório. As culturas populares são culturas - vejam-se os magníficos textos dos Bonecos de Santo Aleixo - já o que é massivo depende mais do que na publicidade é absolutamente venal.
Nada será assim tão mecânico mas sem ler, sem saber ler – não se trata de juntar palavras, nem é coisa exclusiva da escola que, neste momento, treslê e muitas vezes amplia tão só o que se poderá chamar de linguagem do mercado – nada se lê do futuro, nem há projectos para o país. A qualidade dos projectos governativos do país depende da qualidade cultural do governo. Um Ministro inculto nunca será um bom Ministro e quem disser o contrário está a disparatar ou a justificar o seu poder por razões de pura força e não por razões de razoabilidade e bom senso.
Mas mais que as funções cognitivas associadas à experiência das artes, como espectadores, cidadãos e criadores, pela via da escola e pela via da qualidade da nossa vida real instituída e a gerada pela sociedade civil, é necessário perceber que esse luxo que é uma vida cultural rica é em si um desígnio de modelo de sociedade: uma sociedade que eleja no lugar do consumo e do coleccionismo, da enumeração como uma tara, a fruição do que é específico do humano, a sua capacidade de inventar, de ser imaginando, que eleja a criação como caminho, caminha para um futuro, o que, o uso também todo do nosso património de clássicos e de clássicos contemporâneos, projectado no presente e nas obras do presente, pode ser justamente como identidade a fruir, vida cultural organicamente plasmada no corpo das nossas vivências diárias e futuro em acto. O clássico abre perspectivas, não fecha o leitor, o autor da leitura, no deslumbramento, nem apenas na interpretação, abre a modos de ler outras coisas, obras e realidades, abre a outros modos de competência e ser e inovar, imaginar, ficcionar só pode resultar da incorporação – in-corporar, interiorizar, o que em matéria de texto será decorar desde que se perceba que tem a ver com saber de coração, meter na respiração - da referência clássica e científica como uma visão prática. Ainda agora, na morte de Lucien Freud, se referem as suas relações com Cézanne, Watteau e Chardin.
Na realidade o que será um país sem bibliotecas, sem cinema, sem teatros, sem arquitectura, sem pintura, sem novas formas artísticas, sem a paisagem do Douro como algo nosso, sem o Tejo de Camões e sem a arquitectura contemporânea, a Malagueira ou o Estádio do Braga? Um arremedo de país, um simulacro, uma não nação. Há que entender que a “inutilidade” das formas culturais e artísticas, a inutilidade de Gil Vicente e Pessoa, de César Monteiro e Paula Rego, da Editora Cotovia e do Pedro Carneiro, da Maria João Pires e do Herberto Hélder, da criação teatral e do património museológico, é afinal o nosso tudo, não só o que somos mas o que viremos a ser. Tornar a cultura, como fez o governo do Engenheiro Sócrates – um Primeiro-Ministro que agora vai estudar Sócrates para Paris – uma irrelevância e um assunto táctico a espaços reactivos, é lançar o País na continuidade do mesmo impasse.
E nada disto tem a ver com a cereja no topo do bolo, vaidades cíclicas de megalomanias ligadas à bola ou a outras teorias de auto-estima, coisa um pouco burra, nem com destinos decorativos, performativos e plenos de ideologia creacionista ou a modos de fingir que se é muito up to dat, mais nova-iorquino que os nova-iorquinos. Isso é o que foi acontecendo do 25 de Abril para cá com o sucesso que a dívida acumulou.

fernando mora ramos

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Pingo no Lago



Accontik Trail, Fairfax, Virgínia, EUA

Foto JOTA ESSE ERRE

O nazi anti-nazi

A jornalista, muito no jogo opinativo de ecrã, disse, o neo-nazi norueguês. Fugiu-lhe a boca para a verdade, o que num jornalista é raro, dada aquela coisa chamada deontologia profissional que obriga à neutralidade cultivada quando ela não tem espaço de existir – é o caso do tipo que tem a arma apontada ao peito e de quem, falando para terceiros, o relator em directo dirá que depois de morto terá as causas apuradas, cumprindo objectivamente o papel informativo – ele é a fonte diante do delito mas o delito ainda não sucedeu e só depois será avaliado nas causas evidentes e nas outras, como se depois fosse assim mais do que para se vender que é assim. Um jogo de facto hipócrita. Deontologia será outra coisa, mais que uma moeda de troca num qualquer jogo de relativização pragmática de valores tão fundamentais como a verdade, principalmente quando a fonte de uma informação – é o caso – é o próprio criminoso que, na sua página do facebook se diz anti-nazi, como se a opinião do sujeito em causa própria tivesse valor de objectividade a respeitar – enfim, pobreza conceptual a operar o rol noticioso ou medo do censor de serviço, o editor das novidades e mesmo o conselho de administração. O que será um tipo de extrema-direita que mata jovens socialistas porque são defensores de uma sociedade aberta aos muçulmanos? E que será um tipo que diz desejar ser o maior monstro da história desde a segunda guerra mundial?
A jornalista disse depois, desculpem, “o anti-nazi norueguês, admirador de Churchill e música clássica”: está feito o preâmbulo da novela, o enredo de explicações vai suceder-se a favor do sistema e da ocultação das razões reais deste genocídio, ao que parece perpetrado por um cavaleiro solitário, escultor racional de um apocalipse longa e pessoalmente preparado, tanto quanto se pode preparar um verdadeiro crime de guerra, aparentemente de modo isolado – o que não significa que estivam facilitados todos os aspectos logísticos, desde os tais fertilizantes facilmente adquiridos (nitrato de amónio), às armas, aos automóveis, à farda de polícia, ao próprio poder económico que revela uma operação do género e à sociedade envolvente, próxima e menos próxima, que nada detecta.
Era – é - um cretino da classe média, da classe média alta, disfarçado de agricultor biológico que odiava os muçulmanos e o marxismo cultural (assim lhe chama) e que o escreveu – mil e quinhentas páginas de xenofobia militante a que se juntam dois anos de preparação do massacre, além da prática dos jogos de guerra virtuais, do celibato, dos vídeos em que aparece armado no Yutube e de outros dados que o sinalizavam como potencial assassino político em massa.
Os psicólogos, os psiquiatras, os criminólogos, os analistas políticos, os opinian makers, as figuras respeitáveis e os senadores da República, mesmo o Dr. Marcelo do seu eterno púlpito, têm emprego garantido para os próximos tempos – haja paleio e multipliquem-se explicações até que o novelo estabeleça a confusão necessária à não emergência da verdade, pois esta certamente apontaria culpados nas estruturas do sistema, mais do que com uma falha patológica na cabeça do criminoso.
Foi tudo racionalmente estudado até ao pormenor e executado com um sadismo frio e terrivelmente eficaz, ao ponto de atrair as vítimas com o seu canto de sereia polícia, dizendo já não haver perigo e de disparar duas vezes sobre os corpos para se certificar do que morriam. Ao lado deste crime o adolescente que matou nos Estados Unidos os pais à martelada parece um “amador”, diabólico claro.
A criatura Anders Breivik, convém dizê-lo, é um monstro – acabou de o reivindicar - que emerge da normalidade, de uma sociedade que é permissiva a este tipo de práticas extremistas e em que a ideologia extremista cristã, fundamentalista, é tolerada ao ponto da brutalidade – aconteceu violência, mesmo um assassinato, em concertos de Heavy Metal na Noruega e a capa do CD editado pelo grupo em causa tem a imagem do assassinado.
O último resultado eleitoral mostrou um Partido do Progresso forte, anti-islâmico e a favor do envio dos emigrantes africanos para campos em África. Há portanto terreno para estas coisas singrarem. Elas quando surgem não surgem sob a sua forma violenta, surgem como boas medidas económicas e mesmo nacionais, de regresso a tradições culturais próprias, como a utopia de um mundo de estados nação. Este Breivik apresenta-se como um cruzado e afirma, disse agora, querer despertar as massas para o perigo do tal multiculturalismo que, na realidade, pouco tem a ver com tradições culturais próprias, tendo obviamente uma relação estreita com os mecanismos do mercado, o que é outra coisa. O tal multiculturalismo é capa sofisticada de um processo de homogeneização cultural que vem de há muito e que tornou o mundo um único mundo, a aldeia global. O que para aí vem com o domínio chinês tem tudo também a ver com um verdadeiro capitalismo de estado, o capitalismo de partido comunista.
Preferir Churchill não será assim tão estranho, era a favor da selecção racial, da “qualificação” genética. Quanto à música clássica é conhecido o seu esplendor aberto, a sua aura sem antídoto para uso indevido. Sabemos como, entre as artes, é de facto sempre mais exposta a manipulações de sinal oposto – como se posicionará a música? A música transporta-nos para paisagens de exaltação emotiva de alguma cegueira, que pressupõem um apagamento das capacidades críticas – em Apocalipse Now os helicópteros atacam ao som da Cavalgada das Valquírias de Wagner. Há canções nazis de uma “pureza” absoluta, como sabemos que havia orquestras de câmara em campos de concentração constituídas por músicos judeus que eram obrigados a tocar enquanto os seus irmãos eram mortos em câmaras de gás. A Nona Sinfonia foi escolhida como Hino da Rodésia a seu tempo e em 37 foi tocada no aniversário de Hitler.
Já seria mais complicado afirmar-se, esta criatura Breivik, profundo conhecedor de Ésquilo ou de Shakespeare, há neles uma visão e uma gramática do mundo que não é de citações para uso culinário, são obras que só se lêem de modo incorporado. Não se entende nem um nem outro, a fundo, sem os fazer, sem dar o corpo aos textos. É uma outra dimensão das práticas reais da ficção - de que a música é uma enquanto criação e outra enquanto fruição - e não são, nem um nem outro, utilizáveis sem se aprofundarem, por assim dizer.
A sociedade do espectáculo abriu de facto para uma nova modernidade. A visão que cada um tem de si mesmo no fluxo do espectáculo remete sempre para o desejo que cada um tem não de ser cidadão, mas de ser estrela, de sair do estatuto de mero consumidor, quanto mais não seja para ser um consumidor de topo de gama. Este cada um de nós é fundamentalmente o Zé Ninguém, o anónimo – ele há estatutos diversos de anonimato também - o desejoso de celebridade, a criatura massa que quer sair do anonimato ao preço que for. Este é o estatuto mais almejado pela massa jovem que hoje aprende com um ensino de pacote, descartável, disponível para o televisivo referência máxima do êxito, e é um estatuto que tem as suas vias. A via legal, por assim dizer, que se multiplica em concursos televisivos e jogos de azar e sorte e a via do terror. Há certamente violência na via legal, a capacidade de odiar o parceiro, de competir ao ponto do desprezo e da rejeição. Na bola não deixa de ser assim. E Ronaldo é um paradigma do jogo da celebridade, vindo de onde vem. E são jogos de guerra, a sociedade vive uma guerra civil de baixa intensidade com estes pontos de ruptura. Como uma barragem que rompe. A densidade dos conflitos e as válvulas de escape e compressão são articulações. O carácter explosivo – à letra – destas manifestações está aí. Para nós, aqui no Sul, parece estranho. Somos mais de deixar cair uma ponte. Mas os incidentes com a extrema-direita no Bairro Alto há uns anos continuam aí.
O tipo queria uma Noruega só para noruegueses como ele, mas queria no fundo atingir o estado de celebridade. Este horror que materializou prosseguirá agora como ficção. E isso é da ordem do desejo. Rapidamente se sucederão as teorias sobre a psicopatia. A sociedade necessita disso para não aprofundar mais por outro lado, pelo lado da normalidade, da vulgaridade, do reality show, esses territórios do horror potencial. Dizer-se não nazi faz parte do politicamente correcto como pensou o seu perfil, pois pensou-o, a besta.

fernando mora ramos

domingo, 24 de julho de 2011

Deus é gordo, apanha no cu, ouve os Motorhead e anda a tripar com o Renato Teixeira e o Nuno Rogeiro

O Renato Teixeira e o Nuno Rogeiro do «vivemos um 11 de Setembro diário». andam a exagerar no consumo do LSD. Será STP?



Deus aderiu à proposta radical dos Motorhead para vencer a crise



A divina cinética da frase

A porta dá
Para rios que sobem
Dunas fábricas
Latejando na brisa que entra
Imagens em folhas múltiplas de corola

A porta fechada chave perdida
Sabemos lá onde quem a deixou estará
Quanto mais da chave e ao fechá-la
O que se fechará que não seja íntimo
Lucro crime branqueamento?

Mas era a ficção e entrei
Os passos nas teclas
Soletrado pianíssimo e respirações contidas
Do lado de lá
Uma galáxia sem corpo
Vazio e portanto há que meter mobília
O sarro dos dias Esquinas
Uma caligrafia de gritos assinando um tempo qualquer
Um modo de uso finalmente
Osmose des utópica

Sai de um postal da cartola o ilimitado onde o sol se deita
De linha recta arrependida vindo
E uma chuva de meteoritos domesticados imobiliza-se
Explosão cardio cósmica contida
E não há clown nem deuses nem arame para suspender a respiração

No canto A Amora no centro do corpo
Preta mora a savana
E fica um segundo longo que pára
De respirar fundo no olhar cessado

Antuérpia
Velhos em mesas bordadas de canecas
Tropa xenófoba catarro e rugas de preconceito
O olhar para quem a porcelana vale o que o barro cru não tem
E isso não se discute nem o Vira lá do sítio

Um túnel em câmara ardente as pernas andam
Contador silencioso
O ar como se fora caviar na mastigação lenta
E na tela sobreposições aleatórias

Se por um momento existe o círculo e se procura de um qualquer diabo
Sei que nele habita sobredotado o génio de Deus
Conheço o medo que cultiva
E o alpiste de mão oculta que pratica

Cinema de sombras
O cabide tem ombros
Alguém da cortina para lá
E as folhas acenando

Onde isto vai já não há uma casa
Houve casa e paredes conhecidas
A curva de um odor comprometido que pede distância
E sigo
Nenhuma Loba em colina alguma
Nem pirâmides de Gisé no canto da folha

É uma necessidade
Que temos
Ordenar o mundo como a casa
A rua esgueira-se como um rio
A lua lá está
E a matéria dos monstros
Nos dedos nus

Emílio Navarro Soler

Na Câmara Escura



Entrada do Museu Nacional de Arte, Washington DC, 2010

Foto JOTA ESSE ERRE

Etnicamente cristão e conservador

Um homem alto e louro, “etnicamente norueguês” e segundo a sua página no facebook definindo-se como cristão conservador. A primeira reacção da média, e as suas infinitas ondas de choque – na recepção, entre os que consomem informação e os que lêem, o que não provocará este tipo de coisas – apontaram o dedo de imediato ao terrorismo islâmico. A coisa seria assim simples de explicar e o automatismo da reacção põe o mundo na visão óbvia na última bipolaridade político/lucrativa: ocidente versus islão, está explicado e é simples, permite a multiplicação imediata das confirmações ideológicas de consumo vulgar, o que é uma mais-valia de rendibilidade segura para os neoconservadores e para os neoliberais em particular, apostados no exacerbamento dos antagonismos por convergência de visão sistémica – o negócio militar flui logo em velocidade ultra-sónica, na Noruega já estão a fazer reuniões e encomendas certamente.
As visões das direitas conservadoras e o ambiente informativo e ideológico que se respira reforçam todos os pragmatismos e “securitarismos” que cavam o que investem politicamente no ambiente da “tragédia” multiplicada pela média. O sistema alimenta o sistema. Não que a tragédia não o seja, mas porque os elementos da sua racionalização nunca serão ideológicos mas sim políticos e diria teóricos, colhidos na liberdade de informar e na profundidade da opinião, complexa claro.
As coisas não são simples e ao que parece o tipo era alto e louro e os jornais até o dizem “etnicamente norueguês”. Não há que enganar, a criatura era do lado de cá – do Norte do lado de cá. E é de um tipo de neoconservador, um cristão conservador assumido. O que também não se faz em nome de Cristo! E pior, em nome de Hitler, simultaneamente.
Thomas Bernhard chama a atenção para este tipo de fenómeno desde os anos oitenta com fúria sarcástica. Os seus “dramoletes”, que acabámos (Teatro da Rainha) de apresentar no Festival de Almada falam-nos disto, isto é, falam dos ambientes em que o ressurgimento deste tipo de ideologia é favorecido, mesmo cultivado. E esses ambientes são neoconservadores, aliam visão capitalista selvagem a fundamentalismo cristão, nostalgia quotidiana de uma ordem militarizada da sociedade a um racismo latente e embrenhado em tradições nacionalistas fechadas. E é aqui que a questão se agrava, no modo como à volta a sociedade é tolerante com estes fenómenos, a começar pela sociedade estatal, as polícias tratam benevolamente comportamentos xenófobos – muitas delas infiltradas pela extrema-direita – mas também nas sociedades civis, urbanas e rurais, onde a reacção ao estranho e o desemprego alimentam erupções de crispação racista e actos violentos contra estrangeiros – nesta tragédia o crime é perpetrado contra os que toleram os outros, do Partido Trabalhista norueguês, um outro tipo de “outro” para o xenófobo, o outro que tolera o outro.
Isto passa-se por todo o lado na Europa, sendo que não é tão noticiado como o contrário, o que rende, o terrorismo islâmico, pois este é um garante dos extremismos europeus mais ou menos conservadores, mais ou menos extremistas – o extremismo alimenta-se da tolerância conformista e da “identidade” fechada tornada “popular”, vulgarizada.
Ainda há poucos dias se noticiou, a partir dos dados de um Observatório Alemão para as questões do neo-nazismo e das actividades da extrema-direita que os 15.000 crimes – o número referido – detectados eram uma evolução positiva porque teriam sida mais no ano anterior. É um tipo de tratamento noticioso feito na fonte, e reproduzido pelos meios informativos genericamente, que remete logo para uma irrelevância relativa do problema, coisa que a existência do próprio Observatório nega e ao mesmo tempo confirma. Por um lado a sua existência diz-nos, a coisa é grave, por outro também nos diz, mas está controlada, normalizada, o que é assustador, pois confirma por si a aceitação desta malformação do sistema como uma inevitabilidade, já que o sistema não se põe em causa no que o determina, o direito ao lucro especulativo e à ilimitada liberdade dos que dominam os mercados que, na realidade, dominam também os chamados instrumentos de regulação como recentemente o filme Inside Job demonstrou com clareza documental. Aqui reside a desordem do mundo que faz procriar a besta. Foi assim que o outro ganhou as eleições, era um tolo, controlável e um mal menor, um mal temporário. E depois viu-se. É Bernhard que põe na boca de uma vulgar beata referindo-se no caso a trabalhadores turcos: “gaseá-los, é preciso gaseá-los”.

fernando mora ramos

sábado, 23 de julho de 2011

Love is a Losing Game. You Know I'm No Good



Amy Winehouse

Cidade eterna


Paris, 2010

Foto Jota Esse Erre

Subjectividade e cristalização ideológica, o norueguês alto e louro

O texto que se segue foi escrito a propósito das “dramoletes” de Bernhard que este blogue divulgou a propósito da sua apresentação pelo Teatro da Rainha no Festival de Almada, mas creio que têm tudo a ver com o norueguês alto e louro que cometeu o massacre a que assistimos na Noruega.
Estes dramoletes são sobre a incomunicabilidade e não sobre a comunicabilidade. São sobre a incomunicabilidade que coincide com a cristalização de pontos de vista, rejeição da realidade, uma visão da realidade contra ela tal como a realidade é intrinsecamente plural e múltipla, avessa a uma disciplina militarizada, a um ordenamento racista, hierárquico e homogeneizado. A militarização do espaço social é a ordem evidente da visão nazi, a educação confundida com treino militar, culto do chefe e dos mitos pátrios, o corpo deificado como expressão de uma perfeição de origem genética a que tem de se dar forma política e estética. E essa religião tem uma dimensão quotidiana, militante, concretizada no jogo de uma superação constante do “puro” contra o outro, o diferente, qualquer que seja, o judeu, o cigano, o negro, o estudante, o turco, o africano, mesmo o “amigo” do lado que pensa diferente.
São sobre a incomunicabilidade e por isso correspondem como teatralidade, jogo adequado, a um registo “introspectivo” ideológico e não expressivo, ou melhor, a uma solução introspectiva expressiva em que a expressão é ideológica. Falamos de uma introspecção que faz coincidir subjectividade com ideologia. Se a expressão subjectiva se encontra na singularidade, na característica de cada um, com a fragilidade e a precariedade do sujeito na sua relação com a realidade e com os outros, nestas personagens a cristalização das posições subjectivas transformam a visão pessoal numa visão ideológica – Althusser define a ideologia como “as ideias mais os comportamentos”. Eles falam ideologia em nome uma dada ficção de identidade pátria que projectam e que, no passado, arrastou o mundo para o holocausto. Foram os seus autores e soldados, inventores e assassinos, máfia operando no aparelho de Estado, usando o Estado para os seus objectivos inumanos e desumanos. Por isso neles fala essa ideologia antes de eles serem o que possa ser uma singularidade, alguém, uma pessoa, porque neles fala, antes do eu, a ordem de uma religião de Estado, de uma religião imperial e militar de Estado.
Essa incomunicabilidade significa que comunicam sem troca de experiências, em posições ancorados na mesma visão única, jogo tautológico de reincidências, a diferença neles é apenas o reconhecimento da hierarquia. Entre eles apenas se verifica o que eles próprios pensam da humanidade: cada um deve praticar o jogo da supremacia, deve almejar o cume, o topo da ascensão, o lugar do “capo” e por isso, mesmo entre eles e apesar da identidade cristalizada de pontos de vista, há uma luta constante pela afirmação de uma superioridade de uns relativamente a outros, de um casal relativamente ao outro, do homem relativamente à mulher, da mulher relativamente à outra mulher, de um homem relativamente ao outro homem.
Entendem a sua presença no mundo como uma predestinação, como uma missão, a missão da expressão da superioridade, a missão dos “cruzados”, a conquista do mundo e a imposição de uma escravatura generalizada a todos os outros, a todos os diferentes.
Assim é também verdade que, num certo sentido, praticam solilóquios ideológicos, monologam ideologia afirmando coincidências. O que não significa que não sejam absolutamente banais e vulgares nos comportamentos, mesmo parecidos com os outros que detestam, eis a armadilha, a normalidade aparente.
O mais relevante é de facto a sobrevivência destes aspectos de mentalidade que provam a existência da possibilidade de um regresso ao passado que continuam a mitificar como um passado de heroicidades. Não só não aceitam a derrota como estão disponíveis para uma nova aventura do mesmo tipo nas condições da actualidade. São nazis e existem, existem ao ponto de na Alemanha serem objecto de estatística – em 2010, diz o relatório dos Serviços Federais de Inteligência, houve 15.905 delitos perpetrados pela extrema-direita alemã. E como agora se prova pelo acontecido em Oslo, o perigo não prevenido termina em tragédia.

fernando mora ramos

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Duas ou três coisas sobre o eduquês

O ministro, já ministro, promove o seu livro em feiras. Sentido comercial que fica bem à Gradiva, mas não ao ministro, que ataca o eduquês e vende.
O eduquês é bom senso que, como diria Descartes, não se deve confundir com senso comum.
Se um professor tem 30 alunos numa turma e só tem 2 positivas o problema não deve ser dos alunos; sobretudo se estes tiverem classificações razoáveis no conjunto das outras disciplinas.
O professor que ensina tem de saber tanto da disciplina que lecciona, como tem de saber do aluno a quem ensina, para além de ter de saber de si.
A Matemática, com ou sem calculadora, é um caso bicudo. No filme da Cavani, sobre Galileu, os alunos batiam palmas quando ouviam falar das demoníacas matemáticas.
Se a mais racional das disciplinas tem uma taxa brutal de insucesso e rejeição, isso deve-se ao Crato, aos seus discípulos, aos seus mestres, e, a uma indústria de explicações que vem do fundo dos tempos e vive à custa do insucesso escolar.
O eduquês é bom senso, não é senso comum.

Places des Vosges, Paris (2010)



Strauss-Khan tem um apartamento aqui ao lado...

Foto Jota Esse Erre

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Gravatas e lambretas

A realidade é fonte de prodígios. Ocorrem quando menos se espera e também surgem de onde não se imaginaria, por vezes de fontes que se julgaria secas e incapazes até de mais que a memória, de fertilidades ficcionais no lugar de ideias de poupança – a imaginação está agora virada para a dívida mas não é capaz do que os famintos de outrora souberam fazer: inventar o pão, melhor, a açorda e certamente os joaquinzinhos, já que pobreza é sempre companhia, não se é pobre sem ser a dois, pelo menos e o princípio do cardume é o mesmo da humanidade que mais pega de estaca. Pobre e só é caso mais que limite, é suicídio, por isso pobre é sempre muitos.
E são de muitas variedades os prodígios e os mais previsíveis, entre nós, como é sabido, encontram os seus territórios de proliferação no Entroncamento ou nas paisagens que habitam as anedotas alentejanas, para dar dois exemplos díspares quanto à natureza dos territórios e aos humores identificáveis nestas, o primeiro por assim dizer nacional – talvez por causa justamente da encruzilhada de linhas – e o segundo surreal. Conhecemos bem a história da batata do entroncamento, mesmo da melancia ou do tomate, ou par deles, conforme ao primeiro território e sabemos como voam elefantes sobre os chaparros quando os ninhos se instalam no interior profundo da planície, lá onde o Guadiana deixou de ser um rio para ser um mar definitivo, mar que no fundo é um mar de chaparros, ou melhor, O Mar do Chaparro como quem diz Mar da Mármara ou outro do género, Mar Morto, e esperamos que do seu fundo criativo não surja Adamastor algum mas antes um peixe javali com guelras secretas de porco preto implantadas para fins gastro/turísticos. Esse bicho da lenda por vir vai fazer lembrar uma figura de Bosh, Javali de guelras alçado entre dois caldeirões de pecados com catacuzes fumegantes, tríptico e petisco conhecido dos diabos proletarizados, caviar de luxo por ser temperado pelo crime de faca na liga, pelo adultério, pela briga vicinal e outros feitos braçais e de anca larga.
Até há pouco o mar alentejano era de trigo e espiga nas ondas de vento, agora é de água doce, coisa também só alentejana e de pernas para o ar, já que o sal é um ciclo de tempo alentejano mais que conhecido dos alimentos desde os tempos que o frigorífico enterrou para sempre e a água doce em mar uma invenção dos dinheiro europeus. Antes da electricidade o sal guardava das coisas a sua saúde e agora o mar traz o tal turismo, multiplicai-vos Algarves que de tal proliferação a abundância afogará os pobres de envilecida memória na grandeza dos shopingues por vir, shopingues palafita Alquevas fora. O próximo passo é plantar coqueiros nos buracos dos sobreiros e fazer a tal linha da praia mítica.
De humores tratavam os cirlugiões e os barbeiros sangradores, resolvendo diabos no corpo e outras manifestações de cariz epiléptico tomadas por manobras do demo, curando o doente pela definitiva eliminação deste e do seu mal.
É bem verdade, como persegue por palavras Ubaldo Ribeiro numa verdadeira reportagem da tragédia do corpo em Itaparica – mais natureza que realidade, pois esta é fabricada e a primeira nascida apenas - que há nesta ilha uma radioactividade de fundo sensual e que os habitantes são vítimas desse mal que se respira mal se respira, e entra pelos poros da pele sem autorização, sabendo-se que não tem remédio, não tem como evitar, nem contornar – não há rotunda possível aplicável ao caso a não ser redonda e infinitamente carnal, o que não se arranja assim do pé para a mão entre gente séria do sexo necessário ao caso, como é costume de Itaparica em que namorar necessita pelo menos de quarto de hora prévio, o que é muito tempo de espera para a erecção obsessivo maníaca ou para o cio incontinente.
Nem construindo muros de betão entre cada habitante, nem dotando cada um de escafandros de agilidade pós moderna, ninguém escapa ao assalto nem a ser assaltante. Eu estive em Itaparica e pude observar o facto e os flagrantes delitos de assédio ilimitado e múltiplo sucedendo-se a um ritmo que só me fez lembrar a Ilha de Camões a meio da costa índica, embora nesta, não fossem as mulheres macuas e o msiro e era só literatura à solta, apesar do verso alongado.
E para Itaparica levei guarda-costas, como a diplomacia mo dissera e guarda freios. Estive em missão científica dadas as teorias erotólogas e vaginómanas em questionamento dramatúrgico e sob observação científica: para um doutoramento sobre a problemática do tesão que perdura ou não e a sua extinção na Europa do meio ameaçando a do Sul. O título é obra do orientador e há que respeitar as hierarquias.
Mas a que propósito a gravata e mais ainda a lambreta? São também lembradas coisas curiosas, imaginações. Mas pequenas. Pequenos achados já encontrados, reencontrados diria – já em sessentas o movimento hippie levava isso a sério - mas que são mesmo falhas de imaginação.
Proibir-se a gravata, ou porventura liberalizar o uso – a cada um o seu calor próprio - , só pode ser ideia de quem a leva a sério. Abril foi há décadas e mesmo antes já ninguém a punha como instituição, a não ser aquele pequeno núcleo conhecido e os que primavam por uma disciplina britânica no pino do sol, missão diplomática, respeito do outro, sacrificando a maçã-de-adão sob o aperto esmagador do nó da gravata. Agora imaginar que a dívida se resolve liberalizando a gravata é o mesmo que imaginar que se voa recusando o combustível e poupando no voo necessário que não se realiza – uma sugestão seria poupar no 112, deixar a coisa resolver-se por si. Da lambreta não vale a pena falar, pois é mesmo coisa de Motas.
Governo infantil? Sem dúvida. Parque infantil mesmo. E agora que o Viegas nem é do Conselho de Ministros está tudo claro. O Ministro da Cultura é mesmo o Passos Coelho. Sempre que houver matéria cultural o homem cantará a plenos pulmões um qualquer fado de Coimbra, tanto dá.

fernando mora ramos

terça-feira, 19 de julho de 2011


Desenho João Fróis

Fazer a sesta e apostar no produto nacional

É daquelas verdades tão estafadas que já só fazem bocejar. O lusitano é um espécime singular que vareja por terras de excepção. Só tem um problema ou dois ou três. Não desenvolve toda a sua genialidade (pensa-se que o lusitano médio utiliza apenas 20% do cérebro, mais do que o suficiente para liderar o ranking dos 193 países da Terra), tem muita dificuldade em descer do abstracto para o concreto e é vítima de incompreensão e inveja generalizadas.

O filme Limitless de Neil Burger, um funny-thriller que se recomenda, aborda e resolve quimicamente o défice de aceleração da massa cinzenta: NZT 48.
Porém, o mais interessante nesta fita, sustentada num livrito de Alan Glynn, é que arrisca sair da fórmula sofisticada de sexo&drogas&rock and roll. Carl von Loon (De Niro) e Eddie Morra (Bradley Cooper) dão-se ao devaneio teórico, à lógica financeira, pronto, aos Black Swans. Que em Portugal são tidos e ditos por Cisnes Albinos.

Atente-se neste limit(less). Portugal teve a mais poderosa marinha do mundo, dominava as rotas e o comércio global....e que fez? Desconcentrou, refugiou-se no campo electromagnético a 20% e deitou-se a dormir a sesta. Qual foi o resultado? Hoje é um brejo endividado de “cheap condos” em pauperização deslizante. Estes yankees são uns cabrões. E burros.

Portugal segue na linha da frente em todas as ciências e domínios do saber. Um exemplo à toa. Ainda antes dos derivados, dos CDSs, e da espiral dos défices, já, ali ao Norte de Portugal, um clube de futebol emergia da obscuridade- eles dizem que foi mérito da democracia- e construía um modelo de referência para o Mundo do Futebol. Qual o segredo? Simples. Assobiar ao “venture capital”, perdão, “capital de risco”, e fazê-lo transportar em linha por lanchas rápidas desde Vigo ou La Coruña. Que lhes pode ensinar Krugman ou Gates? Nada.

Saltemos por cima das ciências secundárias e dos saberes particulares e concentremo-nos sócios no campo unificador da Política, em especial, na ciência Primeira da Governação. A nossa, claro.

Como se sabe, o governo de Passos Coelho tomou posse já com programa escrevinhado e aprovado. Com esta etapa sempre entediante cumprida, a governação pode dar-se ao luxo de umas sestas suplementares, entre as sestas regulares e os períodos normais de não vigília. Mas não há bela sem senão e o senão é que não há direito ao canónico estado de graça. Aqueles 100 dias, nos dizeres de um poeta neo-realista ribatejano e de um comediante prussiano, em que toda a esperança é possível e os erros são verdades mal desenvolvidas.

Pode, pois, e deve, o Javali Sentado avançar já com uma avaliação preliminar destas primeiras quinzenas- preferimos esta unidade de conta, um dia explicamos- da Governação.

O primeiro a demitir-se até ao Natal deverá ser o Álvaro Santos Pereira, o ministro da Economia e do Emprego.
Álvaro, vamos tratá-lo assim, é um investigador publicado, um democrata anglo-saxónico, um economista inteligente e ambicioso....mas muito platónico. Quando perceber que àquela promoção constrangedora das indústrias criativas, em nome do emprego, claro, segue-se nada, pois, zarpa para Vancouver e deixa aos colegas “A Vantagem de Ser Bobo” de Clarice Lispector.
É bom de considerar que há décadas as Caldas da Rainha vêm produzindo o melhor artesanto lusitano, só que ninguém lhe chamava indústria criativa. E não se diga que é monocultura e monotemático. Há frades, há freiras, há Eusébios, há canecas, há gaitas, há galheteiros e por aí fora. Tudo para o Caldas.


JSP aka Xiconhoca.come

PS: Noutra oportunidade, abordaremos o pior do Crato.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Banana não tem caroço



Post dedicado a José Manuel Rodrigues do CDS-PP

Papel de embrulho e laço

As crianças, nas suas visitas de estudo, poderiam conhecer o mar, a pesca, os Jerónimos, a Serra da Estrela, etc., e poderiam mesmo conhecer outras coisas, como o interior dos interiores junto às casas mortas das aldeias da pura memória, as famílias solitárias, a árvore mais antiga de Portugal, o ruivaco de regresso à ribeira de Alcabrichel, a vaca açucarada das Caldas, o rio Homem, as falésias da costa vicentina, as Terras de Suão, as vinhas do Douro, o montado alentejano, o porco preto e o porco da farinha de peixe ou lá o que lhe derem para engordar, a aquicultura e a pesca à linha, a lagoa de Óbidos, o vinho dos mortos e as invasões francesas no seu sítio, A Dos Francos, o silêncio que resta no interior mais interior do último arvoredo português cercado de eucaliptos e tantas outras coisas vitais que nenhuma folha A 4, nem A 3, nem a própria alcatroada A OITO, nem um romance de duzentas páginas de títulos possíveis de ficções poderiam conter. Poderiam conhecer coisas muito diferentes.
Mas agora o que se passa é que as crianças fazem visitas de estudo a centros comerciais e têm aulas de como comprar e vender coisas e pessoas, pernas de pessoas da bola biqueirada e cabelos e unhas assim e assado e como encurtar ou aumentar o nariz, formas de desenhar as partes íntimas e piercings de pendurar nos artelhos para dar nas vistas aos artelhos adversários na competição global, pois tudo se aprende para sermos competitivos e exportar como diria o professor Cavaco, o que der para exportar, até a avó claro, uma avó de qualidade, competitiva. Numa outra vertente, as nossas crianças, têm também aulas de novela, de como consumir outros que, deste modo, muito maus ou muito parvinhos, são tão descartáveis, ou menos, que o urso de peluche, pois esse não discorda, só abre o corpo ao abraço, nem urrando, pois as pilhas, logo gastas, esgotaram-se no tempo de um abraço apertado, sem medida calibrada.
É isto, segundo os analistas psicólogos e sociólogos e mesmo engenheiros, mais os opinian makers TVvisíveis – os do pino opinativo -, que se passa hoje em dia: a transposição dos afectos, antes humanos entre humanos, para os animais de estimação vivos humanizados pela nossa capacidade de os ficcionar e pelos beijinhos pedagógicos nas babas diversas, pois os animais mortos, os de peluche, não satisfazem o afecto predador dos miúdos e dos que, adultos, ficaram adolescente e infantes – o adolescente retardado abunda e o sempre infante também - conheço alguns que já vão nos sessentas e são responsáveis e estimados pela sociedade como seres pensantes e relevantes apesar de às escondidas namorarem o bibe e terem muitos cd’s para fazer castelos como de legos (este tipo humano espalha-se como uma nova fé no Império das famílias hiper-protectoras).
Os miúdos gostam de apertar muito o bicho vivo e não o morto, pois este não responde e portanto não é interactivo e não o sendo não é pedagógico, num abraço que, por vezes, é de urso e nada de peluche. Estes bichos vivos, que se vendem em lojas da especialidade – nunca vi tanta passarada em gaiolas e tanta selva a morrer - já passaram à muito a soleira da porta e ocuparam no leito o lugar do parceiro ou parceira. Muita gente gostaria de ser bicho de estimação e uma grande parte desta gente que tem esse desejo gostaria mesmo de atingir o estatuto do gato de divã, esse animal que faz a psicanálise à dona, ou dono, com o seu ronronar inteligentíssimo e que depois, num gesto de cumplicidade sadomasoquista arranha a dona nos pontos conhecidos da acupunctura para lhe expulsar o tóxico stress erótico pelas narinas, por onde também saem certas alergias primaveris – o erotismo, que é uma prática e não um acidente, exige alguma escola e que, ao mesmo tempo, se não perca a inocência do primeiro impulso, tudo com muita blindagem por causa das bactérias e dos vírus e das contaminações.
É o próximo passo talvez, o casamento entre espécies diferentes, por exemplo entre um camelo e um habitante das beiras – vulgo ratinho -, ou entre dois camelos com bossas diferentes, ou entre um camelo estúpido e um dromedário inteligente, ou entre uma iguana e duas Vanessas, ou entre dois camaleões em regime de beliche por acoplagem com dois furões em extinção mais que havida, tudo na mesma toca de 4 assoalhadas e quatro camas de casal para sexo rotativo em digressão interactiva doméstica – rodízios à brasileira, manjedouras amazónicas -, ou mesmo entre um lagarto, uma pomba e um gambozino, um casamento nocturno como as composições do Chopin para depois dos sóis postos, ou mesmo entre dois caniches que tenham frequentado o colégio alemão e um rotvailer que tenha andado no francês, ou para finalizar esta listagem aberta, entre um Sócrates que ladre inglês técnico e um conselho de administração qualquer que fale estatística e em que faça de centro de mesa um Coelho, por exemplo – isto não é sobre os casamentos gay, conquista maior que Abril como Sócrates disse e que são muito bons para a nossa sociedade de mercado, para a família e para a santa casa que, como sabemos, põe todos a comprar lotaria na porta da desgraça, à entrada do tsunami de serviço ao esbulho a que nos sujeitam, filhos bastardos da Europa Puta e do FMI Proxeneta.
Os nossos netos, o futuro, os nossos filhos, o futuro, agradecem em nome dos afectos e da dívida que carinhosamente a sociedade do hiper-consumo massivo constrói com denodo, gentileza sorridente e muitos embrulhos, os mais criativos que se possam imaginar. Somos aliás o primeiro produtor mundial de papel de embrulho e laços, e vamos exportar o mais que pudermos para sair da crise para uma nova crise tão boa como esta que tem cada vez mais centros comerciais, mesmo mais que cogumelos selvagens.

fernando mora ramos

Desenho João Fróis

domingo, 17 de julho de 2011

Sodré imaginário

No cais
As datas prescrevem
Ferrugem alucinada em mapas de corpos experimentados
Cerveja que baste e
Asas de borboletas
A escapar-se de um papel de parede que nunca foi
O olhar desenha as nuvens por entre os eléctricos
Os pés de asas aladas
Perdem-se no alcatrão total
A sacudir as migalhas de incomodidade de algum olhar que é esgar
O que as cidades trazem aos estuários surpreende
Pernas de cadeiras e abajours
Latas de tomate pelado e corpos silenciados
Armações óculos de lentes riscadas
Colher de pau solitária e receitas para estrelar ovos sem frigideira
A criação tem as suas gramáticas
O homem o seu desenrasca

Das nuvens
A memória paira suspensa no movimento que as tem
Para Sul
Andam e o olhar cessa
E não há Sócrates em nenhuma delas
A chinelar desesperado por um chão
E dizendo a Alcibíades que os bíceps
Pedem o mármore de Fídias
Nem nas nuvens há publicidade
A nenhum iogurte salvador
A virgem reformou-se é pena já não voa
E os deuses gregos não gostam deste céu têm o seu resort
Apenas um húmus aquoso
Vindo de um tempo anterior à terra
Um país um continente móvel
Uma sauna intercontinental
E lentamente passam entre fracturas de azul que mudam
De fractura entremeada
Em azul acinzentado entremeado

As datas prescrevem
Nas nostalgias reincidentes
Nos olhares envilecidos
Como nos outros
Perdem a vitalidade do sangue
A respiração de um tempo preciso
A pele das sensações concretas

Os compêndios enumeram-nas como os rios outrora
Mas nada disso transporta as nuvens como agora
Sobre este cais que os dedos podem percorrer
De odores únicos
Um timbre de atmosfera irrepetível
Mesmo um silêncio diferente
Sempre outro
Entre dois ecos distintos
O navio ao longe directamente de um poema conhecido
E o prato que caiu
De uma louça que guincha como não acontece ao barro

Não há horizontes
Apenas a sombra que as nuvens provocam no extenso
Mapa que se alonga de sopro íntimo
E que tanto pode ser um mar calmo
Como trigo sem limite
O trigo sem limite do pão que regressa

Sob o cais o mexilhão
Ganha com a ferrugem do tempo
O sal lento da vida que se deposita
Até que tudo se cristaliza
Sem postal possível
Sob a invisibilidade bela
Do que a sombra protege
Dos excessos de convergências plastificadas

Lançaram-se ali as palavras
Como no círculo atlético
Pedras na ponta de cordame rápido
Raízes aéreas de imagens
Em busca do interior das nuvens
Hortas celestes biológicas mais que lógicas
Por acontecer
Sem moldura nem forma proprietária possível nem mensuráveis
Não há hectares no Olimpo
Apenas rotas e tráfego aéreo de ponta
Em corredores precisos
E as sílabas as vogais as frases e os parágrafos os fonemas longos
São corpos a dançar nas estradas de respirações maiúsculas

Quem as atira provoca
Como os furações
Cornucópias de novas realidades
Móveis voadores
Pássaros azarados
Vestidos de noiva enlaçando postes de luz
Uma casa inteira como a de Chagall
E barcos alados
Como nunca visto
Mesmo algum ministro

No cais a partida
É para dentro
Para o arquipélago do verbo
Nada ecoa que não seja notado
A pele balança no coração da nuvem
A palavra sob a humidade
Do barro
Germina latejando
E não come lentilhas

Emílio Navarro Soler

Summertime


Charlie Parker

sábado, 16 de julho de 2011

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Ar Cool


A partir de amanhã, os funcionários do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território - MAMAOT - estão dispensados de usar gravata.

A ordem dada pela ministra Assunção Cristas insere-se numa iniciativa denominada "Ar Cool".
Mais aqui

Fumar este cachimbo dá nisto.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ai Lili. Bora lá fumar uns nights na night


Eis a história da mulher que beijou Polanski, contada pela própria


Adorava o Sartre, a Simone de Beauvoir, vestia de preto. Era existencialista, li todos os livros proibidos. Estava nos antípodas do que era ser português. Detestava Salazar.

Lia Marx e Trotsky, os meus amigos eram maoistas. Eu sempre fui mais trotskista...


Com a devida vénia ao Unipoppers

quarta-feira, 13 de julho de 2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Comentário javali

Comente, comente que o comentário sem que comente não comenta. E faz falta, o comentário, pois se comentar o alimento diferencia-se e vitamina a substância comum da sua extraordinária singularidade. Quem mais a tem, a sua, a não ser você? Vossa Excelência? Como o timbre Esta, a substância comum, é o resultado do comentário acumulado e seleccionado pelo tempo. O tempo filtra e filtra de tal modo que fica da sua filtragem o que no tempo é sem tempo, o clássico e não o contratempo, a montanha mais a erosão e não a borbulha e a aspirina, conclusão. O contratempo é trejeito, é mosca zumbindo, não é comentário. Comentário pode zurrar se isso vier a propósito, comentário pode sacar da pistola da verrina e pode ironizar e ser doce malícia e altar, pois comentar pode elogiar mas não é assim por obrigação, antes por constatação e amor, amor da palavra no caso, amor do desenho, amor do afecto ao outro e amor de si no que põe, ou posta e não é certamente bosta.
Estranhos tempos de vazio que nada preenche senão cio. O cio do cio, o cio do cio do cio, mesmo da nostalgia do cio, cio do ciúme, o cio da mesquinhez, o cio da falta de pacatez e da inteligência à vez em vez da outra, a coordenada, que tudo soma na sua particularidade e tudo vê no seu conjunto.
Comente, comente que será no céu da democracia recompensado e lembrado não no mural dos que comentaram, mas sim na moral da história por ter metido o sue comentário no enovelado da ficção e ter apelado não a um fim feliz mas a um fim escabroso, coisa que mais rende dado que o fim feliz está apenas à venda nos saldos dos saldos e não na vida dos comensais que na espelunca de três duas estrelas fazem o seu dia-a-dia, como eu que, apesar de tudo vou comentando e disso comendo.
Chamar o cão? Não, isso não vale a missa de trazer pela coleira a bíblia de nenhuma razão. De outra forma menos ladrada, ou latida e com açaimo? Com certeza, que ficção não mete o ladrão na choça, antes o mete na tasca e com ele vai um tinto ou mesmo um branco de antes do verão a lembrar calores por vir da estação ou mesmo uma noite de perdição, noite a começar cedo logo que a aurora dos róseos dedos lança os seus doces raios.
Comente, comente, pois ficará contente e esse contentamento seu nos alegrará. Comente, mas antes de comentar pense, pois comentar, para além de alimentar, é expor-se a um comum que é de todos nós. Pois alimente.

fernando mora ramos

Desenho Luís Ralha

domingo, 10 de julho de 2011

Da crise e aqui a mão

E a crise
Na sua omnipotência apodera-se de tudo
Como um deus antigo da Odisseia
Zeus o mais que deus o Deus
E chega aos limites do eu com a sua foice alçada
Do corpo cuja pele encerra

E entra
Sem respeito da alfândega íntima
E também convivial
Na cartografia de uma Europa cujos pulmões
São Molière
E Shakespeare
E Pirandello
E Pessoa
E o Tejo sem as ninfas
E talvez o Atlântico
Esse começo das Américas que terminaram

Pulmões de uma rede complexa
De afluentes de um rio central
Europa e Olimpo
Discórdia de argumentados mitos e ciúmes
Carnificina e surrealismos decepamentos e amputações
Mesmo criaturas que pegam de estaca a meio de ancas

E o facínora vulgar destruidor de outros
O inimigo de todos de buço alçado
O que não tinha talento mas pura inveja
E pintava paredes
Incapaz do esboço mal amanhado de uma oliveira ou de um carvalho
Invade com as suas tropas a língua do outro
E dobra-a
E a uns isso dá para o silêncio
E a outros para a incontinência
A uma grande maioria silenciou para sempre
As valas são montanhas e nelas ainda se ouvem os acordes
Das últimas orquestras de câmara
Antes do estrondo das balas

Agora são as formas doces que matam
Como mata o Mediterrâneo
À vista das costas
E a balsa
Populações inteiras
Todos almejam as catedrais
De fast food e sapatilhas
O pão que semeiam e não comem

Na forma dos dias que a vida contém
É difícil sair dos limites elementares
Sem entrar noutros
A língua ficcionada em cada hora
Pequenas ilhas a surgir de magmas recentes
Em erupções de actividade sensível
Essas são âncoras

E é impossível
Sair
Também dos limites
Da paisagem imediata dos móveis
E dos odores do que nos reconhece e identifica
A sacola que cai e se apanha do chão sobre uma beata de lápis esquecido
Um troco distraidamente na mão que se coloca no prato mais esquecido

E é difícil esta escalada do cala e come
A implosão consentida
Como a outra escola
A da explosão
É difícil

Perde-se a razão por pouco
Como se perde ser
No tempo em que o silêncio
Não é uma escuta mas uma renúncia

Entre o silêncio
E o lixo
Estamos sobre a possibilidade da pétala
No esboçar voluntário da sílaba
E a articulação na sílaba
Pode vertebrar o músculo que contraria o grande costume

Nos limites do corpo está o medo
Nos limites do que se avista o que respira
E no silêncio a pólvora que nos cresce nos dedos

Nem tanto as grilhetas
Que ainda cerram visões e são posses
Mais assim como o que faz a ditadura do que é doce
E atormenta porque adormece
E cala

No jardim da literatura
Colhemos a invenção do sublime
Letras como rebentos
Venenos como botões
Nas esquinas de ramos manufacturados
São como bombas ao retardador
E atemo-nos a elas como a utopias
Pássaros de asas em viagens aleatórias
Como os passos em redor
Do próprio corpo
Largando sementes
E explosões de ira com alvos definidos

Não chega à omnipresença da crise
Responder com nem excessos de cintura barroca
Nem acções de cegueira gestual
Faça-se outro planeta
E nessa criação busquemos o fogo de novas contradições

Emílio Navarro Soler

Summertime


Janis Joplin

sábado, 9 de julho de 2011

Guilhotinar o desejo

Robespierre não é pai de muitos. Danton é-o, por contraste. Somos mais à maneira do Danton - filhos já de uma curtição que tudo galgou - que à de Robespierre. Eu sinto-me mais Danton e sonho com Robespierre. Tudo isto é muito estranho. Tão estranho como mapear o desejo – com um GPS das intimidades – e saber que não há sonar específico que o identifique à solta, inapanhável mas muito físico. Se vem de zonas profundas da psique, não sabemos se aquosas ou secas, o que sabemos é que não são radiografáveis, não têm libidografia possível, são nebulosas muito presentes. Zonas incógnitas em destinos vários por muita ciência que delas se aprochegue (isto é lixado pois aprochegue dá vermelho no ecrã, o censor está agora disseminado como um vírus, e o vírus não é o da boa gramática mas sim o da regra massiva, a regra burra – quando não sabem, cortam, não existe e, em resultado, como sentimos e podemos ver os que nisso reparam, só existe o visível e o fácil no visível).
Eu nunca gramei gramática e fui dos que fez guerrilha, não fui dos bem comportados, fugi pela janela e tive suspensões e faltas disciplinares, a sujar o bom nome do meu pai, um pedagogo. Mas sei que essas zonas desconhecidas do outro que temos dentro são relevantes, têm relevos, como são as zonas erógenas, duna ou menir, coisas carnais sensíveis, e sendo curva ou protuberância exaltante são sismo promissor. O mamilo, e por oposição, as bordas do rego, vale ou desfiladeiro, como se queira, ou a flor em língua na amora – dentro da saia está uma amora preta - vertigem de promessas cósmicas, qual chegar a Marte ou a galáxia alguma depois de todas. Teorias ou o que se lhe queira chamar. As teorias desde que Bernhard disse que Freud era romancista têm que se ler como ficções pois Bernhard era de uma intuição inteligente única e universalizável. Um cérebro singular, leiam-se Os meus prémios, um feitio único, coragem para dar e vender, o que rareia mais que o ouro.
E agora as nebulosas: o que dizer? Que somos assim ou assado e ir a correr à procura de uma classificação? Mas a propósito do quê? De uma dificuldade de viver com a hesitação? De facto o problema é de consistência e respeito da natureza que, não duvidem, muito escreveu por si. Quando vejo os académicos na querela silogística, ainda hoje ou na dúvida metódica, mais ou menos legal – o direito, o que será e que servirá senão escrever torto por linhas tortas? –, só me vem a vontade de dizer que andam entretidos como os outros do entretenimento padrão. Mais perigosos são os sins sins da economia cega e os que, de tão livres que são, preferem o crash a que todos possam alimentar-se e vitaminar-se os mínimos corporais
Na realidade a guilhotina, que não é usada sequer na metáfora mas é tradição europeia – hoje mata-se de modo politicamente correcto, isto é, usando a economia e as finanças como meios de genocídio - não é para os costumes, é, seria, para o roubo, para a corrupção do poderoso, o enriquecimento cavado no suor alheio, na escravatura ocultada e promovida, tolerada – esta dos escravos não é uma flor de estilo, ainda o outro dia o revelaram quanto a pessoas menos capazes mentalmente, habitantes da Beira raiana e para aí caminhamos com a presente proletarização geral, tanto pela via da desqualificação do ensino como pela via do desemprego massivo.
Não é o ilícito que nos deve preocupar mas o lícito que faz do ilícito um caminho legalizado. Isto é, o lícito ilícito. Isso chama-se neo-liberalismo. Se um Ministro apanha no rabo, não nos deve preocupar, é o rabo dele, não é lugar de guilhotina. Já nos devem preocupar os pinheiros do tal Abel Pinheiro e os turismos da Estremadura que em nome de Portucale ocultam caminhos nada pátrios e promovem feridas no corpo território, mártir como tem sido, Algarves e desordem massiva urbana que não cessam mesmo com todas as inventadas reservas, a ecológica, a natural e a agrícola, tudo feito para um álibi que venha sempre que um poder maior que a lei queira fazer um campo de golfe. Quanto a submarinos, estamos falados. Talvez só o Gama diga coisas, esse peixe de águas profundas que viveu uma vida inteira no aquário parlamentar e que agora está calado. Este Gama não foi à Índia, veio dos Açores e é respeitado à direita e à esquerda, é mesmo pilar, regime.

fernando mora ramos

Naquela janela virada p'ra rua



Dupont Circle, Washington DC, USA

Foto Jota Esse Erre

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Festival de Almada

Neste Festival, já nos dias 13, 14 e 15, em horários de fim de tarde, às 19.30, 18.30 e 18.30 horas, respectivamente, o Teatro da Rainha apresentará de Thomas Bernhard três dramoletes. Trata-se de um tipo de teatro, o dramolete, que alia a concisão à acutilância política, sendo o que se poderia chamar de entremez contemporâneo dado o fulgor lúdico e cruel também. Mas sendo uma forma breve o dramolete é de uma diversidade estrutural e estilística notáveis.
Fustigando o nazismo teremos presentes três tipos de teatro aliados da tragicomédia, roçando os três dramoletes géneros estilísticos próximos do teatro do quotidiano, da comédia popular e da farsa trágica, pode-se dizer, sem que isso os tipifique de modo apenas único, unilateral, o teatro escapa a categorizações e a canonizações, pelo menos o que não é para/académico, portanto conformista, vanguardista e performativo obrigatoriamente, modo de se ver ao espelho nas sociabilidades que o isolam da vida, esquizofrenia essa em curso de afastamento total da realidade profunda, da história e da política.

Bernhard não perdoa aos seus e faz nestas peças o balanço dos estranhos reaparecimentos da mentalidade – sobrevivente, no fundo e revanchista – e dos comportamentos nazis que pertencem ao fenómeno mais vasto das formas políticas e de organização social que o capitalismo engendrou e pode engendrar, mesmo que na actualidade não exactamente pela mesma via.

Aqui veremos um conjunto de estranhas personagens, mulheres de polícias, beatas, políticos regionais e esposas amantíssimas, verdadeiramente crispadas com a realidade actual que têm de partilhar, multicultural e plena de emigrantes e estudantes e outros da mesma laia, a discorrer nostalgicamente sobre as vantagens do tempo de Hitler, tempo de superioridade racial em religião de Estado e de grandes feitos, como dizem. E, no fim, eis a vingança, não do chinês, mas a do turco. Bernhard antecipa de algum modo o que o 11 de Setembro marcou
como uma nova etapa da história planetária e, estamos, nestes dramoletes, em finais de oitenta – era, de facto, uma intuição extraordinariamente inteligente e homem de uma radicalidade justa. Também não se vendia por um prato de lentilhas.

Ficha Artística

TraduçãoIsabel Lopes e Fernando Mora Ramos

EncenaçãoFernando Mora Ramos

Dispositivo cénicoFernando Mora Ramos com a colaboração de António Canelas e Filipe Lopes

IluminaçãoCarina Galante e Fernando Mora Ramos

SonoplastiaCarlos Alberto Augusto

FigurinosTeatro da Rainha

InterpretaçãoIsabel Lopes, Elisabete Piecho, Carlos Borges, Paulo Calatré e Victor Santos

Vai vir charters de Javalis

A habitual nota obituária do Economist- é a revista, pá, não é um heterónimo do padre Louçã- foi atribuída, na edição de 4 de Junho, a um jogador de futebol do Irão. Nasser Hejazi, excelente guarda-redes (62 internacionalizações), faleceu aos 61 anos. Perguntar-se-á... que tem a ver com o Javali Sentado aquele que ficou conhecido como a “Águia da Ásia”? Ah! Essa zoologia insuficiente alimenta incréus e cipaios: a Águia é um Javali com asas. E o Javali da espécie mais inteligente e desenvolvida toma, como se sabe, a designação de Leão.

Mas vamos ao que interessa. Nasser foi surpreendido pelo voo do Xá e pela “revolução” Khomeini em pleno Manchester United. Onde se preparava para iniciar uma carreira gloriosa. Pois, trocou o exílio pela pátria, a fama pela família. Si fódeu, como se diz na fala normalizada do Brasil, aqui grafada na opção aberta da língua portuguesa de Portugal, prevista no penúltimo acordo ortográfico. Eles lá continuam escrevinhando ‘se fodeu’.

Queimemos as etapas mais penosas. Nasser Hejazi passou em duas décadas de vedeta do pontapé na bola a insubordinado democrata, de palhaço principal do circo a corajoso defensor do pão e da liberdade. Não, não é para rir nem para chorar. Mas para ler. Transcreva-se. “I’m agonised to see (the authorities) interpret poverty as contentment, inefficiency as patience and, with a smile on their faces, they call this very stupidity wisdom”.

E isto vem a propósito de quê? Da vontade de contribuir para ajudar Portugal.

Amarcord. No dia em que as baratas ficaram tontas, aquele dia em que o PM Cavaco Silva pediu ajuda a Michael Porter, ficámos a saber que tínhamos de encontrar os nossos clusters. Tudo cousas hipermodernas em torno da cortiça, da simpatia do povo, do mel de abelha, estradas, panos e atoalhados, sapatos e ferraduras, e, claro, estava-se mesmo a ver, aproveitando a inteligência do povo eleito: produtos financeiros e biotecnologia.
Alguma cousa deve ter corrido mal...que até os Javalis se sentaram alegadamente estupefactos. Regressar ao mar, voltar ao amanho da terra, embarcar e fugir! Atão, e os nossos clusters?

Será que ainda não entenderam que o nosso único cluster de excelência é o Futebol. Sal, em onze, na praia, matrecos, nintendo. Jogadores, treinadores, administradores, espectadores. Agentes, claques e massagistas.

Paulo Futre percebeu e ainda se riram dele. Sócios, isto é uma merda. Não temos dinheiro. Temos de arranjar quem tenha. Temos para isso de encontrar um motivo para que aqueles que têm venham cá deixá-lo...para a malta continuar a beber Licor Beirão. Sócios, vai vir charters de mulas.
Huuuuuu! Diz o coro grego: VAI VIR CHARTERS de JAVALIS.

JSP aka Xiconhoca.come

quinta-feira, 7 de julho de 2011

I Can't Quit You Baby


B.B. King & Buddy Guy

Javali sentado a espremer laranjas

O javali fuça. Fuça e tem umas fuças que charruam a terra por dentro, até aos dez ou vinte centímetros de fundura, umas fuças de pequeno rinoceronte bicórneo a que uma máquina dentária de alto índice triturador torna um leva tudo adiante, raízes e bolbos, tubérculos, quando acima do chão não há coisa confirmadamente, de modo nasal e táctil, mais suculenta ou substancial, vitamina pura, energia próxima, maçãs caídas, muitas, marmelos, peras e em hortas bem regadas verdura, alfaces, tomatitos, pimentos, pepinos, não é esquisito, marcha tudo – é um bicho que faz tanta falta como o Jagudi em Bissau ao serviço dos municipalizados serviços de higiene pública que não funcionam: o tal do Jagudi come tudo, até lata, plástico, lambe ferro e ferrugem, que mastiga, tritura pedra se preciso, come o mau cheiro com o sol a pino nos olhos.
O Javali é um pequeno tractor, um quatro por quatro animal de alta cilindrada muscular, nada o trava, nem o medo, que não pratica e faz verdadeiras maratonas alimentares noite fora. Não desiste, procura sempre comida, e bebida, e quase ninguém dá por ele. E não é nem toupeira, nem calça luvas no casco, tem um casco que ecoa surdamente, na mesma medida em que fala um tipo de grunhido nasalado de baixo profundo sempre a espirrar – quem sabe se ainda o veremos no São Carlos na conhecida ópera O suíno selvagem amoroso e as valquírias.
Com esse casco que Deus lhe deu, ainda assim é silencioso. Uma besta silenciosa, sempre oculta, clandestina, é da maçonaria dos dentes mais radical, a que anda nas sombras e não é corrupta, não se vende por um qualquer ketchup, nem por cargo parlamentar, é da carbonária que resfolga, detesta realezas, alces e coutados de caça à antiga medieval, pois odeia montarias, essa tropa montada de caça ao bicho, e só mesmo em montarias, nessa variante em seco da malha apertada na pesca assassina, é apanhado. Atrás dele cães, cavalos, caçadores, cornetas, ingleses, mais cães, mais pessoal de correr armado de varapaus, mais cavalos, mais ingleses, todos vestidos de caçadores para depois figurarem em quadros de restaurantes requintados ou pouco requintados em versões descoloridas (incluindo cavalos aperaltados), num género que faz lembrar a infantaria dos tempos do corpo a corpo, baionetas em riste e trincheiras logo valas comuns, como na primeira guerra, quando as coisas se mediam em valentias.
É bicho que investe contra o outro intruso e que anda em família, mais ou menos fila, e tem resistido pois não está à beira da extinção, é rijo e tem aguentado a perseguição milenar de que é alvo. Ninguém se lembraria de fazer uma Associação de Defesa do Javali, nem o javali consentia essa paneleirice. Seria de um ridículo inaudito e o Javali seria o primeiro a gargalhar grunhindo. E é bicho tão desejado que até a porca preta, ou cinzenta, domesticada, o espera nas noites tranquilas do chaparral numas ânsias de fúrias eróticas incontidas tão alçadas que quase dança chaparro acima bolota no chão – imagino, não sei ao certo, mas pelo aspecto do bicho deve ser coisa séria, muito para lá dos modos do touro preto, aquele ali de Benavente e esse não é nada meigo, ainda o outro dia levou cinco de mão beijada ou de cornada rompante para o Centro de Saúde – fechado em dias de festa brava, como se verificou segundo a imprensa local e europeia.
Ora, portanto, como se depreende, o bicho é teso. Mas o que espreme laranjas nem queiram saber. Porque esse já passou a fase selvagem, mas do selvagem tem lá tudo, o essencial, o código genético. E a coisa pode dar-se pior que na Grécia que é onde a coisa se está a dar com resultados mais interessantes e pirotécnicos – a melhor esquerda é aliás a esquerda pirotécnica, porque a outra está em casa a vê-la na TV e aspira depois ao debate argumentado e contra argumentado suficientemente regado (tudo isto em gado como rimou).
O Javali é grego. E as laranjas são andaluzas e algarvias. As baianas têm aquele umbigo do calor baiano, têm um feitio mais vitaminado, mas não são de lá, foram para lá, emigraram e depois lá, na Baía, deu-lhes para aquele umbigo, umbiguaram, o que dá umas sestas infinitas. Ora neste contexto tudo é passível de se desenvolver como solidariedades do Sul. O Javali sentado a espremer laranjas só gosta do Sul da crise. É nessa que ele treina a sua envergadura todo-o-terreno. Nada lhe escapa, nada lhe escapa à fome crítica. É bicho insaciável. É mesmo um blogue. Que se acautelem os do Norte para lá de todo o sul, nada de regionalismos. O Javali Sentado é selvagem, cosmopolita, e filho do império da metáfora que dobrou o cabo da esperança relativa. Cuidado com o Javali que ele levanta-se.

fernando mora ramos

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Quis ver por detrás da pintura


Quadro em exibição. Washington DC

Foto Jota Esse Erre

Javalismo não é javardismo

Pois...devo complementar a sumária apresentação que o nosso webmaster fez do Javali Sentado. Os perspicazes e inenarravelmente poucos leitores que nos acompanharam na fase democrática do 2+2=5 penaram o suficiente com o desmoronamento das alas da liberdade. Não queremos que sofram mais com contendas espúrias, falsos debates, insularidades, demência continuada e puro e simples mau gosto.

Assim, engendrámos uma solução alegre. Fundamos ideologicamente o blogue na disciplina libertária do Javali, Javalismo, e acrescentamos um programa de acção. Ao Javali Sentado soma-se o subtitulado ‘espremendo laranjas’, junta-se gelo, agita-se, e aí vamos nós... SCREW DRIVER.

Queremos contribuir, ajudar, participar na resolução dos problemas de Portugal, qualquer que seja o espelho da governação: Bielorússia, Zimbabué, Madeira, Albânia, o Paraguai de tantos e tão bons exemplos, qualquer seja o ‘issue’: finanças, economia, grandes códigos, espaços verdes, relações internacionais, relações inter-freguesias, lazer, educação, cultura, saúde, obras públicas. O que for. Estamos sentados...mas muito empenhados.

Porque não iniciar a logosfera pelo Verbo. Passos Coelho- e ainda dizem que a providência foi para Paris estudar Filosofia- tem um assessor para assuntos económicos de seu nome Carlos Moedas. Ecco.
Uma de duas vias se abrem nesta pose muito sui generis de representação política pós-pós-pós moderna.
A primeira opção consiste em escolher pessoas cujos apelidos coincidam com as pastas. Admitimos que é difícil ou então o executivo seria quasi Alentejano. A segunda via, tradicionalista, radica na atribuição de cognomes. Por exemplo, D. Dinis, o Lavrador; D. Xico, o Torresmo.

Neste momento difícil da nossa vida colectiva e da nossa dívida particular, precisamos de uma gesta tipo 12 Indomáveis Patifes. Moedas...fica com os dinheiros. Francisco José Viegas- estoutro merecedor da minha particular admiração pela luta sem quartel contra a peçonha da esquerda anti-semita- não levará a mal se o designarmos por Francisco Letras ou Francisco Pincel.
E que tal uma Assunção Arado na Agricultura? Miguel Mete Medo na Administração Interna? Gaspar Default nas Finanças? Paulo Desfibrilador na Saúde? Enfim, é uma sugestão, um contributo.

Uma outra ideia vem do Oriente. Para assinalar o nonagésimo aniversário do estabelecimento do PCC, corre uma campanha de recuperação das ditas “Red Songs”. O principal promotor desta moda é o mais bem sucedido dos princelings do partido-estado, Bo Xilai, patron do mega-município (30 milhões) de Chongqing. Bo é filho de um dos Imortais da Longa Marcha, Bo Yibo.

Segundo a colorida Imprensa chinesa, a menos colorida desdenha a iniciativa, há resultados espectaculares no recurso às velhas canções maoistas. Um sujeito atormentado por gota, e entrevado, desatou a andar mal entoou as primeiras notas do East is Red; um restaurateur à beira da falência viu sua loja de Sopa de Fita encher-se de glutões. Já se percebeu a ideia. Em Portugal, como seria? O Zé, lugar geométrico do Português Suave, enfrenta os cobradores com ou sem fraque de manguito na mão e Grândola na garganta. NÃO PAGO. IDE PEDIR ao JAVALI SENTADO.
Enfim, é uma sugestão, um contributo.

JSP aka xiconhoca.come

terça-feira, 5 de julho de 2011

Novas da educação


Roubado aqui

Homenagem póstuma a Luís Grácio


O Luís foi meu aluno no ano lectivo de 1975/76, no Liceu Nacional de Évora. Tive o privilégio de o ter como amigo desde essa data e de ter tocado com ele. Ficámos todos mais tristes.

Olhos (quase todos) na bola

Fairfax, Virginia, USA
Foto JOTA ESSE ERRE
Posted by Picasa

Heteromanias e metamorfose

Num mundo que canta a diversidade e pratica a homogeneidade o paradoxo salta à vista: o mesmo caminha pelas veredas do que exibe o diferente e mais se afirma quanto mais o diferente se torna espectáculo normalizando-se, visível até à sua própria saturação e esgotando a diferença nessa exibição da diferença que a destitui de especificidade substantiva vital, genes matricial – a estratégia do senhor Onde, personagem de Vinaver, era a da toupeira, que, invisível, cavando galerias tornava o chão das nossas certezas e mitos mais instável, único caminho actual da verdadeira transformação. Mesmo a descoberta da última tribo índia na Amazónia brasileira, via satélite, não nos faz sonhar com o desconhecido, nem com nenhum Outro. São duzentos índios e habitam três malocas, nada mais interessa que candidatá-los a integrar a reserva prevista, o mundo em que serão folclore para os olhos turísticos dos consumidores de imagens, pessoas de zoo, sem vida futura, apenas o presente e a renda da imagem. O planeta não encerra desconhecidos e até a recente descoberta de novas espécies, lá nas Indonésias, só desperta curiosidade de espírito de palavras cruzadas. Mas será assim? Não existem outras selvas em outras tantas periferias inacessíveis? Mesmo em Nova Iorque não será que para lá da Avenida Cento e Vinte Seis a maior parte da menor parte não se atreve a ir? E não serão as favelas brasileiras selvas urbanas e lugares de perigo e desconhecido? Ou a periferia de Maputo e as ruas de Bombaim mundos com regras imprevisíveis de sobrevivência em que a política, as leis e os parlamentos não entram. Que democracia será a pobreza, a fome, a ausência de lei, a sociedade violenta da selva urbana, a escola que não ensina nem existe, a doença extinta nuns pontos da humanidade confortável e em outros não? Pelos vistos, desde que sejam controláveis os lados de lá dos muros e os lados de cá miseráveis e expostos, cercados de polícias e exércitos, mais as democracias se reduzem às geografias dos incluídos nos mercados e mais a sua forma se converte num condomínio, uma área libertada dos interesses do mercado, um território em que as leis servem os interesses lucrativos de poucos e o acesso aos consumos de alguns – a política democrática neste contexto é residual e cada vez mais uma perícia do simulacro. [O que se passa agora é que mesmo isso está em causa e os tais condomínios democráticos tendem a cingir-se a geografias e demografias mais restritas ainda, há que dizê-lo aos quatro ventos, pois é o caminho que agora fazem os mandantes construtores deste desMundo, especuladores mais poderes estatais servis. O que isso significa é que o poder especulativo globalizado lucra com menos democracia e prefere a selva, vendendo os serviços públicos, destruindo-os, transformando em lucro privado pela via do crédito aquilo que são os custos da qualificação da democracia e a sua substância no limite. A democracia tem um preço, tem custos e nunca esta frase foi tão verdadeira, abaixo desse preço será democracia? Ou será demagogia? O negócio montado com a democracia, com o Estado de direito e com os serviços públicos é a especialidade da política neo-liberal e caminha vertiginosamente para lógica de saldos, saldos para os novos donos e taxas altas para o Estado pagar].
O Outro só pode mesmo ser o nosso outro, que definimos outro por traço de singularidade psicológica, de perfil, de espírito de ficção enovelado, não o Outro de outra cultura, agora também definitivamente marcada pelo contágio com a cultura dominante da globalização, a cultura dos mercados, do capitalismo financeiro, do crédito, das taxas de lucro, das lixeiras e das bolsas, dos caixotes urbanos e das palhotas, da fome e do luxo – nada mais claro que esta relação entre o lixo e o luxo, indissociável, casamento absolutamente perfeito de estratégias religiosas, capitalistas e político espectaculares. O nosso outro, domesticado, é um outro de trazer por casa e na realidade é um mesmo, é mesmo o mesmo com quem vivemos e que nada tem de heterónimo sequer (essa é outra realidade, subjectiva sim, singular, raridade) para além da graça que lhe acharmos – há complementaridades que se fazem por soma, o kitch tomou conta de tudo e passa por ser coisa jurídica, direito, o politicamente correcto é a face visível da estética massiva e exibe-se pela vertigem narcisista que o espectaculariza como montra constante, o outro do paleio sobre a diferença que faz o fluxo do homogéneo que o engole.
Não há nada mais eficaz do que a estratégia da recuperação, manipula a diferença e dela colhe lucro tornando-a inofensiva e normalizando-a, retirando-lhe veneno de irredutibilidade, veneno positivo de transformação igualitária, radicalidade libertadora, expondo-a como signo de novidade pela novidade enquanto outra novidade não ocupa o mesmo espaço e tempo virtuais que a média fabrica de modo sistémico. Aconteceu aos índios, que com o contágio não só amoleceram de uísque como faleceram como tordos com as gripes da Europa e são de há muito um cenário, mesmo que activo, aos operários de Marx enfiados em reuniões de base e de topo, rendidos às benesses pequeno burguesas, operários que só o são de memória e burocratas de realidade, pequenos chefes de reuniões sem fim de costas para a realidade, aos nostálgicos que se fartam de falar da Rosa Luxemburgo atirando-a à cara de terceiros como um ícone sagrado, aos de Maio de sessenta e oito que elegeram a criação ao poder como divisa e que estão todos na terceira casa de campo a criar preguiça e nabos ecológicos, aos maoístas que deram uma volta maior que a perna ao radicalismo estreito da perigosa revolução cultural e que chegaram ao topo da União sobre o cadáver do soldado Alexandrino, pobre coitado e por aí adiante.
Estamos mesmo à espera de qualquer coisa de facto Outra, não para nos redimir do pecado, papel do Messias, mas para nos abrir o caminho de Outra ordem planetária, justa e equilibrada – para quê mais conversa? E esse Outro é de facto esse mesmo que somos e certamente os outros que são excluídos, a maior maioria de sempre e que na realidade não passa do muro para cá, da rede para cá – muros, desde que o muro caiu, quantos cresceram? Na fronteira Mexicano/Americana, na Palestina, e quantos mais, certamente esse também muro que é o Mediterrâneo e dá para Lampedusa?. E o Outro de que falamos habita aldeias improvisadas e deslocalizadas, campos de refúgio, sopas dos pobres, caminhos de fuga constante, não pratica a Net como os incluídos, mesmo indignados, nem entra nos shopping’s de Domingo, mas está aí, um Outro faminto e bandido se necessário.

fernando mora ramos