domingo, 31 de julho de 2011

Janelas de oportunidade

Há janelas altas e das janelas altas cai-se de uma forma mais radical do que das janelas de rés-do-chão. Das janelas de um nono andar e a um qualquer estatelado que de uma delas saia, pouco sobrará mais do que um charco de sangue. Já de uma janela de rés-do-chão, mesmo de um primeiro andar, poderemos imaginar que o estatelado esteja inteiro e que apenas necessite de gesso numa perna, resolver escoriações específicas ou de gesso nas duas pernas. Há também janelas interiores e nem sempre abrem para paisagens subjectivas, essas são janelas íntimas e dão para a libido ou para ansiedades de vária ordem, devidamente regadas.
Por exemplo o caso das estufas: nelas há janelas mesmo janelas e há janelas que no fundo são apenas transparências e que portanto são como as janelas, dão para paisagens, mas não são janelas, são vidraças. Claro que nem todas as janelas dão para paisagens, nem sequer para jardins interiores, com ou sem delícias. Há as janelas das traseiras que muitas vezes dão para becos. São janelas muito úteis em caso de necessidade desde que se verifique o pressuposto da altura controlável ou mesmo da escada de serviço, ou ainda da escada dos bombeiros – este último tipo de escada abunda em filmes de acção.
Nas paisagens não há janelas, o que se vê das paisagens é que podem ser janelas. Podemos estar na paisagem, por exemplo a fazer um piquenique e avistar um significativo conjunto de janelas ao longe, esse é o caso da cidade que, ao longe, mostra janelas como quem tem olhos abertos de vazio – em Portugal os piqueniques nas paisagens estão ligados aos grelhados e isso faz com que as paisagens por vezes ardam e que isso se possa avistar das janelas e ser resolvido a partir de alguém que estando numa janela chame os bombeiros. Com os bronzeados, as paisagens ardentes, estão na lista das indústrias transaccionáveis com futuro garantido dado o grau de risco inovador e as possibilidades de lucro do especificamente ardente. Tudo o que é inovador vence e tudo o que é arcaico perde, daí o silicone e o botoque derrotando o que de natural não arde. Daí também, politicamente, a gravata liberalizada. A janela de oportunidade para o incêndio em crescimento é uma janela com muita saída e sazonal. Está por inventar o futuro: a floresta incombustível, existe portanto a janela de oportunidade, a possibilidade pirómana aliada à visão bombeira.
Voltando à vaca fria, isto é, à janela e ao seu conceito. À primeira vista a janela, mesmo a que dá para o beco, porque nem sempre as janelas traseiras dão para becos podendo dar também para outras traseiras que não becos e mesmo para janelas dianteiras, será uma janela útil – é indubitável que uma janela dá sempre para qualquer coisa, mesmo a janela fechada e que isso, esse aí está da janela, é o tudo da janela, a sua essência, o espaço limiar de um trânsito do olhar. No caso da relação traseira dianteira temos uma interacção conhecida como dinâmica do caranguejo.
Há entretanto janelas de que se podem ver filmes a partir de outras janelas ainda, essa é a situação da dupla janela, o filtro apetecível do voyeur. O avistador terá de fazer passar o seu foco e a energia nervosa empregue no avistamento através de duas estruturas rectangulares e só aí gozar a oportunidade do que avista. Um sutiã – este sutiã está de acordo com o ortográfico acordo - a voar, uma cueca a esvoaçar, mesmo um candeeiro de pé alto a dançar. Mas é também provável o caso da janela aberta para a persiana fechada e aqui depende da persiana o que se possa ver: ou a persiana fechada, integralmente fechada, ou a prometedora frincha. A frincha é um destino possível, pela frincha a oportunidade também colhe: a menos conhecida que a janela, frincha de oportunidade e obviamente levantando uma possibilidade mais próxima do conceito do camelo que passa pelo fundo da agulha – com as duas bossas.
Mas não esquecer que as janelas não são todas rectangulares e que para um suicida a janela tipo escotilha levanta dificuldades adicionais no caso da anca avantajada. É uma janela pouco indicada para o suicídio feminino. E há janelas de todos os tipos, as criativas. Há janelas triangulares e estas não são janelas de oportunidade, a não ser no caso da janela equilátero. Uma janela isósceles é complicada, assim como uma janela oval muito pronunciada, pronunciada ao ponto da quase cópula entre a linha superior e a linha inferior. Este caso, muito pouco comum também não é dado a oportunidades a não ser para as criaturas cobra. E há inúmeros casos de janelas arquitectadas de acordo com necessidades específicas, a janela com grades por exemplo. A oportunidade que este tipo de janelas cria é inteiramente virtual e portanto está de acordo com os tempos.
Ele há muitos tipos de janelas como se viu. As chamadas de oportunidade, são recentes e mostram como a metáfora pode voar baixo quando submete a paisagem à reles necessidade de sobreviver. A ficção não pode andar a reboque de um qualquer pragmatismo.
Eu prefiro as portas de oportunidade. Desde que a chave cante por cá.

fernando mora ramos

1 comentário:

  1. "A janela e o seu conceito", tema tão bem desenvolvido por Fernando Mora Ramos, numa outra abordagem, agora poética.

    Não basta abrir a janela

    Não basta abrir a janela
    Para ver os campos e o rio.
    Não é bastante não ser cego
    Para ver as árvores e as flores.
    É preciso também não ter filosofia nenhuma.
    Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
    Há só cada um de nós, como uma cave.
    Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
    E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
    Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

    Fernando Pessoa

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