domingo, 24 de julho de 2011

Etnicamente cristão e conservador

Um homem alto e louro, “etnicamente norueguês” e segundo a sua página no facebook definindo-se como cristão conservador. A primeira reacção da média, e as suas infinitas ondas de choque – na recepção, entre os que consomem informação e os que lêem, o que não provocará este tipo de coisas – apontaram o dedo de imediato ao terrorismo islâmico. A coisa seria assim simples de explicar e o automatismo da reacção põe o mundo na visão óbvia na última bipolaridade político/lucrativa: ocidente versus islão, está explicado e é simples, permite a multiplicação imediata das confirmações ideológicas de consumo vulgar, o que é uma mais-valia de rendibilidade segura para os neoconservadores e para os neoliberais em particular, apostados no exacerbamento dos antagonismos por convergência de visão sistémica – o negócio militar flui logo em velocidade ultra-sónica, na Noruega já estão a fazer reuniões e encomendas certamente.
As visões das direitas conservadoras e o ambiente informativo e ideológico que se respira reforçam todos os pragmatismos e “securitarismos” que cavam o que investem politicamente no ambiente da “tragédia” multiplicada pela média. O sistema alimenta o sistema. Não que a tragédia não o seja, mas porque os elementos da sua racionalização nunca serão ideológicos mas sim políticos e diria teóricos, colhidos na liberdade de informar e na profundidade da opinião, complexa claro.
As coisas não são simples e ao que parece o tipo era alto e louro e os jornais até o dizem “etnicamente norueguês”. Não há que enganar, a criatura era do lado de cá – do Norte do lado de cá. E é de um tipo de neoconservador, um cristão conservador assumido. O que também não se faz em nome de Cristo! E pior, em nome de Hitler, simultaneamente.
Thomas Bernhard chama a atenção para este tipo de fenómeno desde os anos oitenta com fúria sarcástica. Os seus “dramoletes”, que acabámos (Teatro da Rainha) de apresentar no Festival de Almada falam-nos disto, isto é, falam dos ambientes em que o ressurgimento deste tipo de ideologia é favorecido, mesmo cultivado. E esses ambientes são neoconservadores, aliam visão capitalista selvagem a fundamentalismo cristão, nostalgia quotidiana de uma ordem militarizada da sociedade a um racismo latente e embrenhado em tradições nacionalistas fechadas. E é aqui que a questão se agrava, no modo como à volta a sociedade é tolerante com estes fenómenos, a começar pela sociedade estatal, as polícias tratam benevolamente comportamentos xenófobos – muitas delas infiltradas pela extrema-direita – mas também nas sociedades civis, urbanas e rurais, onde a reacção ao estranho e o desemprego alimentam erupções de crispação racista e actos violentos contra estrangeiros – nesta tragédia o crime é perpetrado contra os que toleram os outros, do Partido Trabalhista norueguês, um outro tipo de “outro” para o xenófobo, o outro que tolera o outro.
Isto passa-se por todo o lado na Europa, sendo que não é tão noticiado como o contrário, o que rende, o terrorismo islâmico, pois este é um garante dos extremismos europeus mais ou menos conservadores, mais ou menos extremistas – o extremismo alimenta-se da tolerância conformista e da “identidade” fechada tornada “popular”, vulgarizada.
Ainda há poucos dias se noticiou, a partir dos dados de um Observatório Alemão para as questões do neo-nazismo e das actividades da extrema-direita que os 15.000 crimes – o número referido – detectados eram uma evolução positiva porque teriam sida mais no ano anterior. É um tipo de tratamento noticioso feito na fonte, e reproduzido pelos meios informativos genericamente, que remete logo para uma irrelevância relativa do problema, coisa que a existência do próprio Observatório nega e ao mesmo tempo confirma. Por um lado a sua existência diz-nos, a coisa é grave, por outro também nos diz, mas está controlada, normalizada, o que é assustador, pois confirma por si a aceitação desta malformação do sistema como uma inevitabilidade, já que o sistema não se põe em causa no que o determina, o direito ao lucro especulativo e à ilimitada liberdade dos que dominam os mercados que, na realidade, dominam também os chamados instrumentos de regulação como recentemente o filme Inside Job demonstrou com clareza documental. Aqui reside a desordem do mundo que faz procriar a besta. Foi assim que o outro ganhou as eleições, era um tolo, controlável e um mal menor, um mal temporário. E depois viu-se. É Bernhard que põe na boca de uma vulgar beata referindo-se no caso a trabalhadores turcos: “gaseá-los, é preciso gaseá-los”.

fernando mora ramos

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