domingo, 10 de julho de 2011

Da crise e aqui a mão

E a crise
Na sua omnipotência apodera-se de tudo
Como um deus antigo da Odisseia
Zeus o mais que deus o Deus
E chega aos limites do eu com a sua foice alçada
Do corpo cuja pele encerra

E entra
Sem respeito da alfândega íntima
E também convivial
Na cartografia de uma Europa cujos pulmões
São Molière
E Shakespeare
E Pirandello
E Pessoa
E o Tejo sem as ninfas
E talvez o Atlântico
Esse começo das Américas que terminaram

Pulmões de uma rede complexa
De afluentes de um rio central
Europa e Olimpo
Discórdia de argumentados mitos e ciúmes
Carnificina e surrealismos decepamentos e amputações
Mesmo criaturas que pegam de estaca a meio de ancas

E o facínora vulgar destruidor de outros
O inimigo de todos de buço alçado
O que não tinha talento mas pura inveja
E pintava paredes
Incapaz do esboço mal amanhado de uma oliveira ou de um carvalho
Invade com as suas tropas a língua do outro
E dobra-a
E a uns isso dá para o silêncio
E a outros para a incontinência
A uma grande maioria silenciou para sempre
As valas são montanhas e nelas ainda se ouvem os acordes
Das últimas orquestras de câmara
Antes do estrondo das balas

Agora são as formas doces que matam
Como mata o Mediterrâneo
À vista das costas
E a balsa
Populações inteiras
Todos almejam as catedrais
De fast food e sapatilhas
O pão que semeiam e não comem

Na forma dos dias que a vida contém
É difícil sair dos limites elementares
Sem entrar noutros
A língua ficcionada em cada hora
Pequenas ilhas a surgir de magmas recentes
Em erupções de actividade sensível
Essas são âncoras

E é impossível
Sair
Também dos limites
Da paisagem imediata dos móveis
E dos odores do que nos reconhece e identifica
A sacola que cai e se apanha do chão sobre uma beata de lápis esquecido
Um troco distraidamente na mão que se coloca no prato mais esquecido

E é difícil esta escalada do cala e come
A implosão consentida
Como a outra escola
A da explosão
É difícil

Perde-se a razão por pouco
Como se perde ser
No tempo em que o silêncio
Não é uma escuta mas uma renúncia

Entre o silêncio
E o lixo
Estamos sobre a possibilidade da pétala
No esboçar voluntário da sílaba
E a articulação na sílaba
Pode vertebrar o músculo que contraria o grande costume

Nos limites do corpo está o medo
Nos limites do que se avista o que respira
E no silêncio a pólvora que nos cresce nos dedos

Nem tanto as grilhetas
Que ainda cerram visões e são posses
Mais assim como o que faz a ditadura do que é doce
E atormenta porque adormece
E cala

No jardim da literatura
Colhemos a invenção do sublime
Letras como rebentos
Venenos como botões
Nas esquinas de ramos manufacturados
São como bombas ao retardador
E atemo-nos a elas como a utopias
Pássaros de asas em viagens aleatórias
Como os passos em redor
Do próprio corpo
Largando sementes
E explosões de ira com alvos definidos

Não chega à omnipresença da crise
Responder com nem excessos de cintura barroca
Nem acções de cegueira gestual
Faça-se outro planeta
E nessa criação busquemos o fogo de novas contradições

Emílio Navarro Soler

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