quarta-feira, 20 de julho de 2011

Gravatas e lambretas

A realidade é fonte de prodígios. Ocorrem quando menos se espera e também surgem de onde não se imaginaria, por vezes de fontes que se julgaria secas e incapazes até de mais que a memória, de fertilidades ficcionais no lugar de ideias de poupança – a imaginação está agora virada para a dívida mas não é capaz do que os famintos de outrora souberam fazer: inventar o pão, melhor, a açorda e certamente os joaquinzinhos, já que pobreza é sempre companhia, não se é pobre sem ser a dois, pelo menos e o princípio do cardume é o mesmo da humanidade que mais pega de estaca. Pobre e só é caso mais que limite, é suicídio, por isso pobre é sempre muitos.
E são de muitas variedades os prodígios e os mais previsíveis, entre nós, como é sabido, encontram os seus territórios de proliferação no Entroncamento ou nas paisagens que habitam as anedotas alentejanas, para dar dois exemplos díspares quanto à natureza dos territórios e aos humores identificáveis nestas, o primeiro por assim dizer nacional – talvez por causa justamente da encruzilhada de linhas – e o segundo surreal. Conhecemos bem a história da batata do entroncamento, mesmo da melancia ou do tomate, ou par deles, conforme ao primeiro território e sabemos como voam elefantes sobre os chaparros quando os ninhos se instalam no interior profundo da planície, lá onde o Guadiana deixou de ser um rio para ser um mar definitivo, mar que no fundo é um mar de chaparros, ou melhor, O Mar do Chaparro como quem diz Mar da Mármara ou outro do género, Mar Morto, e esperamos que do seu fundo criativo não surja Adamastor algum mas antes um peixe javali com guelras secretas de porco preto implantadas para fins gastro/turísticos. Esse bicho da lenda por vir vai fazer lembrar uma figura de Bosh, Javali de guelras alçado entre dois caldeirões de pecados com catacuzes fumegantes, tríptico e petisco conhecido dos diabos proletarizados, caviar de luxo por ser temperado pelo crime de faca na liga, pelo adultério, pela briga vicinal e outros feitos braçais e de anca larga.
Até há pouco o mar alentejano era de trigo e espiga nas ondas de vento, agora é de água doce, coisa também só alentejana e de pernas para o ar, já que o sal é um ciclo de tempo alentejano mais que conhecido dos alimentos desde os tempos que o frigorífico enterrou para sempre e a água doce em mar uma invenção dos dinheiro europeus. Antes da electricidade o sal guardava das coisas a sua saúde e agora o mar traz o tal turismo, multiplicai-vos Algarves que de tal proliferação a abundância afogará os pobres de envilecida memória na grandeza dos shopingues por vir, shopingues palafita Alquevas fora. O próximo passo é plantar coqueiros nos buracos dos sobreiros e fazer a tal linha da praia mítica.
De humores tratavam os cirlugiões e os barbeiros sangradores, resolvendo diabos no corpo e outras manifestações de cariz epiléptico tomadas por manobras do demo, curando o doente pela definitiva eliminação deste e do seu mal.
É bem verdade, como persegue por palavras Ubaldo Ribeiro numa verdadeira reportagem da tragédia do corpo em Itaparica – mais natureza que realidade, pois esta é fabricada e a primeira nascida apenas - que há nesta ilha uma radioactividade de fundo sensual e que os habitantes são vítimas desse mal que se respira mal se respira, e entra pelos poros da pele sem autorização, sabendo-se que não tem remédio, não tem como evitar, nem contornar – não há rotunda possível aplicável ao caso a não ser redonda e infinitamente carnal, o que não se arranja assim do pé para a mão entre gente séria do sexo necessário ao caso, como é costume de Itaparica em que namorar necessita pelo menos de quarto de hora prévio, o que é muito tempo de espera para a erecção obsessivo maníaca ou para o cio incontinente.
Nem construindo muros de betão entre cada habitante, nem dotando cada um de escafandros de agilidade pós moderna, ninguém escapa ao assalto nem a ser assaltante. Eu estive em Itaparica e pude observar o facto e os flagrantes delitos de assédio ilimitado e múltiplo sucedendo-se a um ritmo que só me fez lembrar a Ilha de Camões a meio da costa índica, embora nesta, não fossem as mulheres macuas e o msiro e era só literatura à solta, apesar do verso alongado.
E para Itaparica levei guarda-costas, como a diplomacia mo dissera e guarda freios. Estive em missão científica dadas as teorias erotólogas e vaginómanas em questionamento dramatúrgico e sob observação científica: para um doutoramento sobre a problemática do tesão que perdura ou não e a sua extinção na Europa do meio ameaçando a do Sul. O título é obra do orientador e há que respeitar as hierarquias.
Mas a que propósito a gravata e mais ainda a lambreta? São também lembradas coisas curiosas, imaginações. Mas pequenas. Pequenos achados já encontrados, reencontrados diria – já em sessentas o movimento hippie levava isso a sério - mas que são mesmo falhas de imaginação.
Proibir-se a gravata, ou porventura liberalizar o uso – a cada um o seu calor próprio - , só pode ser ideia de quem a leva a sério. Abril foi há décadas e mesmo antes já ninguém a punha como instituição, a não ser aquele pequeno núcleo conhecido e os que primavam por uma disciplina britânica no pino do sol, missão diplomática, respeito do outro, sacrificando a maçã-de-adão sob o aperto esmagador do nó da gravata. Agora imaginar que a dívida se resolve liberalizando a gravata é o mesmo que imaginar que se voa recusando o combustível e poupando no voo necessário que não se realiza – uma sugestão seria poupar no 112, deixar a coisa resolver-se por si. Da lambreta não vale a pena falar, pois é mesmo coisa de Motas.
Governo infantil? Sem dúvida. Parque infantil mesmo. E agora que o Viegas nem é do Conselho de Ministros está tudo claro. O Ministro da Cultura é mesmo o Passos Coelho. Sempre que houver matéria cultural o homem cantará a plenos pulmões um qualquer fado de Coimbra, tanto dá.

fernando mora ramos

2 comentários:

  1. Há também, num sentido oposto, a medida recente da UCP sobre a vestimenta. Imaginação não falta a esta malta...!

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  2. já não é mau se os 45% de portugueses iletrados usarem gravata. Pelo menos, não será tudo mau. Ou será?

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