segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Capitais, culturais e europeias (2)

(continuação)

10. Na realidade as indústrias criativas incorporam elementos artísticos na sua materialização e consumo, mas não são actividades artísticas, são formas de alargamento da economia a sectores e áreas da vida que surgiram em função de novas necessidades de consumo, de novas sensibilidades dos mercados, como dizem, fruto de diversas transformações, no plano das identidades e no plano da globalização e das suas fabulosas novas vias. Isso está estreitamente ligado ao que já chamaram capitalismo cultural, mas nada tem a ver com os discursos artísticos nem com a experiência artística, que não visa o lucro nem tem garantido por assim dizer um inevitável caminho de sucessos contabilizáveis. Sabemos aliás que a arte é composta das mais variadas tentativas de o ser, fracassadas muitas e muitas plenamente realizadas apenas na sua própria teimosa reincidência.

11. Eu nada tenho contra a Guimarães 2012, ou contra outra qualquer capital em si, tenho contra o modelo e o tempo, a forma e o que me parece é que estas realizações, com outros dirigentes Europeus que quisessem de facto outra Europa, uma Europa das culturas dos povos e das suas identidades complexas e diversas e não apenas da união monetária e da partilha do seu fracasso, seriam outras – infelizmente os povos não se batem por novas perspectivas neste tipo de realizações, estarão imersos na apatia, quando não no medo, ou porventura acumulam energias para explosões de violência social como as que têm estalado, e esperamos nós que em breve outras, de outros tipos, pois fazem falta.

12. Depois da ressaca do Porto 2001, amplamente reconhecida e em plena crise, é no mínimo estranho que não se pense o contexto desta capital, ou que se o fazem, nada digam, nada exponham, como se a iniciativa fosse da esfera privada de uma meia dúzia de pessoas, de empresas e de participantes. Onde está a dimensão cidadã do seu processo de concretização? Só assistimos aliás à exposição pública do que é pequeno e mesquinho.

13. Em boa verdade estas capitais teriam de ser amplamente repensadas em função dos problemas reais da falsa integração europeia. Se estamos a regredir a passos largos, não apenas na capacidade de consumir – é um aspecto entre outros - mas no tipo de vida, mesmo nos direitos elementares, a que propósito é que uma iniciativa de algum vulto económico, como é o caso, não é questionada do lado da realidade que se nos impõe como tragédia? Não percebo, parece-me mais do que a política da avestruz, parece-me uma política de pequenos e grandes interesses convergindo na partilha de um bolo em que outros, mais famintos, também querem entrar – é o regabofe previsível, o fartar vilanagem possível em tempo de migalhas. O retrato imaginável é de facto, de uma tristeza profunda.

14. Mas a curtição estará aí, em doses de fluxo significativo enquanto durar. E serão doses das mais variadas e diversas experimentações e iniciativas de rua – muitas certamente: a rua é aliás e cada vez mais espaço de iniciativas da sua própria privatização no quadro de entretenimentos expressivos – ela está marcada pelos tais sinais constantes das marcas que a usam quando a usamos como se fossem um cenário obrigatório – a rua, enquanto espaço público, tende a desaparecer e este exemplo da Estação do Chiado é bastante significativo. Por vezes uma busca irreflectida do que será eventualmente massivo, número, quantidade necessária, uma lógica que no fundo separa as elites dos outros, arrasta esta colaboração ingénua do artista com o manipulador “oculto”.

15. E isso é que é importante: que o fluxo e a velocidade das coisas não pare, que a capital não pare, que tudo o que seja reflectir sobre caminhos e possibilidades é outras coisa e é certamente reacção à excelência da curtição por vir. É o que dirão de quem criticar apelidando a crítica de criticismo, de velhos do Restelo, etc., e criando para a iniciativa uma espécie de estatuto de inimputabilidade, dada a marca Europa, de facto para nós associável a maná. Para nós? Para quem? E os êxitos somar-se-ão até que o balanço venha pôr as coisas no sítio, atrás, no antes que supostamente pedia o depois que veio e não foi e que, na realidade, nunca será enunciado com a clareza de um objectivo global, íntegro, vimaranense e nacional, europeu e lusófono, internacionalizado e local, glocal como alguém com imaginação inventou.

16. Mas não seria de reflectir sobre as contradições gritantes das nossas realidades, das nossas necessidades? Uma capital nada terá a ver com o desemprego que cresce, com a regressão das nossas capacidades de auto sustentação económica, com o aprofundamento das assimetrias entre o litoral e o interior, com a violência doméstica, com os problemas complexos do nosso universo escolar, com a precariedade dos artistas, com o asfixiamento das estruturas de criação? Passará ao lado disto tudo para se dirigir para onde?

17. O caminho de um entretenimento globalizado, uma industrialização do entretenimento, eis o que temos aí, no mundo inventado pelos poderes que nos governam, maioritariamente conservadores, mesmo reaccionários, que tem nos entretenimentos a chave do seu êxito governativo, novos ópios do povo.

18. Capital da crise, poderíamos dizer, certamente se a considerasse até como móbil, e o que vai ser? Vai ser a expressão da abundância da diversidade do mesmo: as máscaras do diverso, as embalagens e o mesmo ao serviço do mesmo, o imobilismo, o capitalismo selvagem na cultura – não singularizo projectos, tento imaginar o fluxo da contaminação de tudo e a velocidade imparável das realizações, como se sabe que é.

19. Assistiremos por certo a uma aliança alargada entre o kitsch, o mundo rápido dos workshops e as mais variadas estratégias de animação: animação para crianças, para adolescentes, para mulheres, para velhos e mesmo para desempregados, para marginais e para deprimidos, numa espécie de nova caridade assistencial criativa plena de interactividades.

(continua)

fernando mora ramos

2 comentários:

  1. E uma capital da cultura que desse uns cobres ao Mora e às suas peçazinhas?

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  2. Cá está um comentário que não diz nada sobre o texto que é suposto comentar, mas diz muito sobre quem o escreve. Anónimo, como é conveniente, à imagem do comentador, que deve precisar de uns cobres. Não merece resposta.

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