terça-feira, 6 de setembro de 2011

Pedrouços

Estou viajar na capital, Lisboa. Estou em Pedrouços primo, estou ver o rio. Não tem ninfa o rio, nem cacilheiro no longe, tem barco rápido e está apertado pelas margens que comprimem, urbanizadas na íntegra, sem nesga de areia vinda de quinhentos, não tem nem caravela como está em Barcelona para o Culombo. O rio parece estrada, as bordas são pistas de treino cidadão, anda tudo a colesterol, hipertensão e açúcar alto, alguns e algumas de ambos os sexos e mais outros vivem para os pneus e a celulite, espécie de objectivo principal como escreveu o Mao na contradição principal e na secundária, essa malvada que estava tapada e comeu tudo quando saltou da sua desimportância para o protagonismo – sem celulite ficas sem assunto, deprimes, estás no nada, com celulite tens assunto, tens um nada cheio de nata. Tem muita gente que vai nesta capela fazer as suas orações de corpo, muitas em grandes agitações de estar parado no mesmo ponto mais de uma hora, corres parado e não vais preso, nem no quilómetro dezassete – era dezassete ou era mais?
As margens estão todas feitas pedra e betão, construção, porto e monumentos, armazéns, restaurantes, espaços verdes, bancos de jardim e papeleiras. A política ribeirinha é a da restauração e espaços verdes, nuns come-se nos outros digere-se. Nem um pedaço de areia a não ser lá para a Cruz Quebrada, a água mal cheirosa da Ribeira do Jamor a chegar cantarolando dejectos á vista desarmada. Como poderiam as ninfas sobreviver. São tão sensíveis primo as ninfas, não aguentam betão nem têm filtro de reciclagem dos esgotos incorporados nas guelras invisíveis e nadam sem esforço, deslizam de sensibilidade, não dá para acreditar só imaginar, parece mesmo milagre, o milagre que não vi em Fátima estou a imaginar no Tejo, aqui mesmo ao lado da Torre, tão bonita.
Chamava-lhes o da pala tágides, não era? Esse da pala não tinha olho mas tinha os dois tomates no sítio e lixou-se, morreu à míngua foi o que disseram os camonistas – alguns chamam camionistas, estava num jornal dos tempos que me passou pelas unhas: congresso de camionistas. Sabe que o da pala esteve na ilha? Esteve lá muito antes do Alexandre Lobato, esse foi depois, já havia riquexó, lembras primo? Estás a ver no livro do Lobato, o primeiro?
Essas ninfas eram uma espécie de equivalente das sereias mas eram de água doce, território demarcado no Tejo, as ninfas gregas eram do Egeu, de água salgada e outras dos mares das ilhas, ilimitado mediterrâneo e etcétera que os mares não têm fronteiras precisas – como pôr alfândega em coisa que não pára e muda sempre de tamanho e força e por aí fora? E que serve alfândega em assunto de coração desalmado e carnal?
Isto é um rio a sério primo e vale bem a baía de Maputo, a nossa baía, aquela que olhávamos da janela da Brito Camacho e mostrava Catembe ao longe, nos tempos, as casuarinas conhecidas de memória a serem colocadas pela memória no limitado da vista e logo ali, à beira da nossa janela, as barreiras, os esconderijos para fumar os caravela de enfiada antes de suruma chegar com as suas paisagens de riso e ritmo e odor e sonolência fantasista.
Lembras primo quando a gente descia até ao barco para a Catembe? E passávamos no Varietá – que nome primo, Varietá, extraordinário. E a COOP e o Comércio do Funchal, o pasquim cor-de-rosa, oposição cromática e libertação simbólica. Lembras primo? Pois o Tejo trouxe-me esses nos tempos. E tem Torre de Belém ali perto, um brinquedo de pedra clara que parece querem fazer restaurante – país da restauração, não da restauração aquela de mil e seiscentos e que tu gramaste também, mas a outra, a dos frangos de aviário. Claro fazer restaurante na Torre em Belém era para fazer Restaurante de caviar em secretos de especiarias com porco preto criado nos cantos do vate e alimentado a alexandrinos – parece que senso comum do mais velho não deixou. Sabes o que é estranho, é que tem heróis do Ultramar mas não tem Camões, nem tem Pessoa – Pessoa só está de ferro no Chiado mas coitado está sozinho, sem os heterónimos, esses até podiam ser de madeira, ou de pedra sabão, ou de outra coisa mais ágil que ferro - com as proporções devidas ao génio primordial da imaginação, da criação, essa pátria em que não se marcha nunca, nem aos sábados e em que só se cultiva a ficção de um porvir à altura da descoberta, do verdadeiro novo e o socialismo erótico das macuas do msiro em movimentos de dengosa iluminação carnal.

Benjamim Saguate, na capital do ex império – escrito de acordo com o ortográfico cantar das ondinhas do rio

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