domingo, 18 de setembro de 2011

Gigantes em era de cortes

As mamas ultrapassam qualquer sistema de calibragem dentro da lógica sutiã, as unhas têm seis metros e a língua 9,75 centímetros. Onde é que isto se passa? Na América. Onde é que isto é notícia: no mundo. A senhora das mamas, exposta num jornal de referência entre um artigo de fundo e uma boutade, exibia as suas montanhas em queda numa foto que ainda continha, por cima da omnipresença glandular, um sorriso que posava para celebridade instante, que não seria exactamente o mesmo sorriso da pessoa que de seguida teria de as transportar para outro pouso que não o da pose. Esse sorriso algo lhe valeu, o tamanho das mamas não rendendo já pela extravagância e exotismo como no século dezanove/vinte rendia dando lugar a estatuto circense – entre nós o caso do gigante de Manjacaze é de tempo mais recente, o nosso arcaísmo prolongou-se e não morreu - rende certamente pela cadeia que vai da notícia a uma publicidade qualquer que, se não se localizar na matéria alvo, pode certamente, ancorada nela, partir para uma outra área, a dos monta-cargas, ou outra área afim, visto que a dos sutiãs é óbvia, haja tecido. A senhora, cujo sorriso espreitava entre seios, duas meninas do olho ao longe e aquele tom marfim que brilha, lucrou com a fama, ou lucrará, o que eventualmente nenhuma fortuna pagará já que será definitivamente - um destino difícil - a das maiores mamas do mundo, mentira óbvia pois a globalização só globaliza o que lhe convém e nós sabemos que se o Entroncamento fosse perto de Nova Iorque as abencerragens leguminosas que aí ocorrem teriam fama galáctica. Além disso, sabe-se lá se num recanto esquecido do Cáucaso não haverá entre campeões da ancianidade uma criatura de mamas tão ou mais vastas que a agora celebrada.
Mas, a cartola das novidades está fértil, e em dia imediato surge a senhora com as maiores unhas do mundo, também num jornal de referência. Esta senhora exibia umas unhas em cornucópia e um mesmo sorriso a publicitar. O caso é no entanto diferente e mostra militância: tinha lutado por isso, o que não era o caso da senhora mamuda, pois a esta acontecera-lhe, desígnio dos deuses. E lá estava, a unhuda, no meio de um passeio de metrópole americana em danças inesperadas com as mãos e obviamente num êxtase de felicidade que extravasava a foto e nos contagiava, leitores incautos de surpresas, sabe-se lá se definitivas até para curar neuroses: quem muito concentradamente passar os anos necessários a ver crescer as unhas até seis metros – em dedicação exclusiva – ganhará por certo os céus da tranquilidade pessoal.
E a coisa não pára, já ontem surgiu a senhora da maior língua do mundo: nove vírgula setenta e cinco centímetros, também num jornal de referência, suponho que o mesmo diário de notícias aliás. O caso aqui muda de figura pois faz sonhar qualquer perverso moderado e aos imoderados cavalgar sensualismos sem cautelas. Se no mar das mamas da primeira senhora se poderia perder o pé, e se as unhas da segunda poderão estimular masoquistas, perder-se-á certamente a cabeça com um beijo a fundo da senhora linguuda – linguaruda é outra coisa. Nove vírgula setenta e cinco centímetros em riste ou mesmo em nó, língua dobrada, é para respeitar. Dadas as zonas de aplicação das suas virtudes específicas poderemos até pensar que é arma branca, letal e que é quase ideal para várias formas de asfixia. Eu vi a língua e sei o que senti, um arrepio não na espinha mas nas orelhas. Caía pelo queixo abaixo e este desaparecia formando-se uma estranha máscara, tudo era língua.
Não faço ideia da razão da proliferação de tais jóias noticiosas. Dado o peso do que no mundo é tragédia constante – e não era, a este ritmo – provavelmente o editor das graçolas está a ganhar espaço no acesso ao espaço noticioso. Corre-se, claro, o risco de fazer da referência jornalística o seu contrário, a referência para voyeur se estimular, não é por acaso que são todas senhoras e, sabe-se lá porquê, americanas, de onde vem a imaginação que importamos e onde tudo acontece.
O que é lamentável é que este governo que sabe que as exportações são o segredo da recuperação económica, ao extinguir um teatro nacionalzito não tenha criado um Instituto das Abencerragens Transaccionáveis no Espaço Virtual. Poderia começar por um levantamento das potencialidades das batatas do Entroncamento como Indústria Criativa – fértil também em tudo o que é legumes maiores para além da medida – e poderia em seguida exportar as nossas extraordinárias singularidades maiores, o Dr. Alberto João por certo.

fernando mora ramos

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